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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Sempre fui afirmativo quanto à minha sexualidade, lutei para ter uma vida sexual por mais que causasse atritos e brigas com minha mãe e incomodasse a família, mas em 1998 entrei na onda dos meus pais de que era melhor suprimi-la, por vários motivos. À época, era uma amiga homossexual – que também era amiga da família apesar do conservadorismo dos dois – que me levava a prostibulos, esta foi morar com uma mulher, deixou de me prestar esse favor e fiquei sem sexo por muito tempo. Como consequência, quando ejaculava involuntariamente à noite meu semem saia com sangue e logo pensei em câncer da próstata, até o urologista que consultei dizer que a causa era escamação da vesícula seminal por acúmulo de líquido. Estava apaixonado por uma mulher, que até me correspondeu mas era incapaz de ter um relacionamento com um homem com deficiência e nada houve entre nós, o que foi muito doloroso. E precisar de prostitutas pode fazer mal à autoestima de um homem.
Por tudo isso, pensei que era melhor não ter sexualidade – como se fosse possível! – e não ligar mais para o sexo. Então, quando ia começando uma ejaculação involuntária noturna tinha uma contração muscular que impedia a saída do semem e que ia até panturrilha da perna. Voltei ao urologista e ele não soube explicar o que acontecia – só após o problema ser resolvido é que concluí que era um mecanismo psicológico para negar a necessidade de sexo.
Ironicamente, quem resolveu o problema foi minha mãe. Fiquei esperando uma oportunidade de expor a situação para a amiga citada, pessoalmente ou por carta. Ela havia me apresentado um conhecido que tinha uma paralisia cerebral leve, que nos convidou para seu casamento religioso. Nessa cerimônia, não vi oportunidade alguma de abordar o assunto e deixei para fazê-lo por carta. Essa amiga nos deu uma carona para casa, estava com uma menina de uns 12 anos de sua família e minha mãe – que às vezes ignora totalmente as normas sociais e fala as coisas mais inconvenientes de modo cru – simplesmente pediu com todas as letras que ela me levasse para transar, a assustando tanto que ela quase perdeu o controle do carro e me fazendo passar uma das maiores vergonhas da minha vida! Fui ao prostibulo temendo muito ter aquela contração na hora H, mas não foi o que ocorreu.
Tive o insight de digitar este post há três dias, mas relutei em fazê-lo pelo avanço do obscurantismo e do (falso) moralismo no Brasil. Acabei decidindo publicá-lo porque não me exporia mais do que noutros textos do blog, para me opor a esse movimento, embora de forma modesta, e para ajudar outras pessoas com PC a lidar com sua sexualidade, algo quase sempre difícil. De qualquer modo, se não teimasse, insistisse em exercer minha sexualidade, contra alguns aspectos da moral tradicional, não teria me casado e gerado uma filha.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
No início deste mês, nosso casamento informal fez dois anos – começamos a morar juntos três meses antes. Silvia me perguntou se achava que esse tempo tinha passado rápido, como o foi para ela, ou havia sido uma eternidade. Não gostei dessas metáforas, pois vejo tal período como uma montanha russa na qual momentos em que uma catástrofe parece iminente – e fico estressado a ponto de medir minha pressão arterial com frequência, consultar um cardiologista, etc – alternam-se com outros de grande alegria, júbilo, satisfação, embora o sentimento subjacente a esses altos e baixos seja de felicidade e vitória. E ao meu amor somou-se uma grande admiração por ela.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Às vezes, me emociono só observando Clara fazer as coisas mais triviais, mas sua ligação comigo nunca foi forte porque não posso a alimentar, banhar, vestir e, pelo perigo de machucá-la, fazer muitas carícias e brincadeiras. Após Clara passar a ficar oito horas no berçário, tal ligação se enfraqueceu muito – ela praticamente deixou de me acariciar, falar “papai”, etc –, pois quase não há mais tempo para ficarmos juntos. De fato, recentemente Clara passou uma semana com amidalite, tive de ficar bastante tempo cuidando dela, inclusive para Silvia manter um ritmo mínimo de trabalho e não correr risco de ter uma estafa – eu é que tive um mal-estar depois de três noites quase sem dormir –, e várias vezes ela espontaneamente veio para meu colo, mas depois que curou-se voltou a não querer saber muito de mim. Fico triste com esta situação e o que me anima é lembrar que, quando vim morar em Curitiba, as filhas de Silvia tinham 4 e 6 anos e bastou dar carinho para estas gostarem demais de mim – espero que o distanciamento de Clara se reverta do mesmo modo.
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Silvia adora o cinema indiano, o segundo do mundo em faturamento e o maior em número de filmes, e tiro muita onda de algumas características dele, como geralmente ter uma parte musical – fico dançando de modo afetado. Ontem, eu mesmo quis assistir “Margarita com Canudinho”, cuja protagonista é uma mulher com paralisia cerebral. Um dos elogios de Silvia – para mim duvidoso – a tal cinema é a ausência de cenas de sexo e este filme foi a primeira exceção que conhecemos, abordando a sexualidade de pessoas com PC e a homossexualidade feminina, dois temas difíceis, o que me fez brincar que fiquei “chocado” ao vê-los num indiano – numa época em que o obscurantismo avança no Brasil e em grandes partes do mundo, foi esperançoso ver que há países que podem estar na direção oposta.
Este filme reforçou a hipótese de Um Padrão no Primeiro Amor?: nos apaixonamos pela primeira pessoa que nos trata como seres humanos – isso acontece na Irlanda, México, Índia, Brasil, etc –, embora nem sempre seja o primeiro sentimento do tipo, já que parece ser frequente acontecer com um(a) colega de alguma instituição – clínica de reabilitação, faculdade, etc – que também tenha PC. Ao assistir a filmes com personagens com PC, na parte que aborda nossas dificuldades em ter relacionamentos amorosos – são realistas nesse aspecto, mostrando que a maioria não os consegue – tinha vontade de chorar, mas neste disse para mim mesmo “esta batalha tu venceste”. A mãe da protagonista morre, o que me fez ter refluxo porque é algo que ainda terei de viver, uma perspectiva que me angustia há décadas, e foi difícil demais deixar de cuidar da minha para me casar com Silvia.
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Das limitações físicas que tenho, a que menos era aceita por minha mãe era não andar e precisar me locomover em casa engatinhando, me ”arrastando pelo chão como um animal” na sua expressão. Ela fez de tudo para eliminar tal limitações e chegou muito mais perto de consegui-lo do que se pode inferir dos meus atuais vídeos: diariamente, ela me levava para treinar andar no pátio do prédio onde morávamos em Recife e cheguei a puder andar uns 20m solto, sem ajuda, até que levei uma queda em que bati a cabeça no chão, tive convulsão (não relacionada à PC) e ela parou esse treinamento. Depois foi decidido – não lembro por quem nem em quanto tempo – comprar uma cadeira de rodas para mim e minha mãe ficou desolada, pois significava que seu maior desejo para o filho nunca seria realizado. Mas quase não usava as cadeiras que tive em Recife, pela escassa acessibilidade da cidade – que, embora lentamente, vem aumentando –, e acabavam enferrujando e se estragando, exceto a última. Ainda assim, aquela primeira cadeira me permitiu brincar o carnaval de 1988, uma das melhores e mais loucas experiências da minha vida.
A cadeira de rodas realmente passou a fazer parte do meu cotidiano só após vir morar em Curitiba e, então, voltei a ter o prazer de andar pelas ruas – o melhor modo de se conhecer uma cidade – com relativa liberdade e sem fazer um esforço extremamente cansativo para mim e quem anda comigo – a deambulação de alguém com PC consume energia demais, inclusive por forçar muito o sistema cardiorrespiratório. Quando vem nos visitar e me fotografa com Silvia e/ou Clara, minha melhor amiga sempre me fala para editar as fotos de forma a cortar a cadeira porque acha feio, mas sempre as publico com esta com certo orgulho pois, além de não ver problema estético algum, penso que não é muito incomum se ter uma esposa e uma filha lindas, exceto quando se tem uma deficiência e a cadeira de rodas simboliza isso.
Repetindo um truísmo entre as pessoas com deficiência mais reflexivas, a cadeira de rodas nos é algo positivo, não é uma prisão e sim um instrumento de liberdade.
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Não soube quem seria o instrutor do meu terceiro salto de paraquedas até chegar ao aeródromo de Igarassu e me deparar com o do primeiro, que foi em João Pessoa, o que reduziu a tensão inerente a tal esporte, pois ele já me conhecia e fez um curso para saltar com pessoas com deficiência. Já sabia que o cinegrafista do primeiro tinha se emocionado com meu salto a ponto de chorar e esse instrutor disse que, ao ver aquilo, não conseguiu conter as próprias lágrimas, porque fui a primeira pessoa com algum tipo de paralisia a saltar na região. Não tive presença para perguntar qual era o âmbito geográfico dessa afirmação, mas sei que um homem com PC o fez em Salvador em torno do início do século. Assim, para o Nordeste acima da Bahia posso ter sido a primeira pessoa com PC a saltar.
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Era de se esperar que pudesse ter ciúmes de Silvia – e tive umas poucas vezes –, mas é o inverso que ocorre. Para mim, seu ciúme é desconcertante, de difícil compreensão, às vezes até sem nexo e foi um problema sério no início do nosso relacionamento – hoje, é um motivo de riso.
No último sábado, fomos ao show dos Paralamas do Sucesso e, ao acabar de me aprontar, Silvia brincou que estava vestido como um gay. Após o fim do show, resolvemos tentar tirar fotos com a banda – depois desistimos disso porque estava demorando demais –, no trajeto para o camarim uma mulher me disse algo como “gostou do show, né? Dê um beijo nele (em Herbert Vianna)”, como só prestei atenção à segunda frase pensei “devo mesmo estar parecendo um gay” ou que esta imaginou que tenho déficit cognitivo, mas Silvia cismou que a figura estivesse se insinuando para mim, pela forma com que falou. Mesmo no dia seguinte achei que Silvia estava brincando de novo, mas falava a sério, teimei que não era uma insinuação até que atinei que estávamos num evento em que, por Herbert ter uma paraplegia, dificilmente alguém pensaria que um cadeirante tem tal déficit e o modo de se vestir tem pouca relação com a orientação sexual – ainda assim, reluto em crer que a figura estivesse “de olho” em mim.
Esse episódio me lembrou que, no início do nosso primeiro encontro, fomos a um bar dançante, pedi que meu irmão – um homem bonito – me levasse para urinar, ao atravessarmos a pista de dança uma mulher disse “que gato!”, nem levantei a cabeça para saber quem falou supondo que era com ele que, no banheiro, insistiu que foi comigo. Talvez o ciúme de Silvia não seja tão infundado quanto imagino.
Contradição de um ser humano: sou seguro o suficiente para ter pouco ciúme das mulheres com quem me relaciono, mesmo que sejam lindas e interessantes, mas tenho uma enorme dificuldade de acreditar que posso atrair o interesse de outras quando saio.
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Em Resquício de Preconceito, critiquei que muita gente diga que pessoas com paralisia cerebral têm mais inteligência que a média. Na semana passada, troquei e-mails com um neurocientista canadense que viu meu site e este blog e ele disse que há uma correlação entre QI superior à média e PC com atetóide (movimentos involuntários) – tenho ambos, ao menos segundo os testes de inteligência que fiz no início da infância. Não dá para ter certeza que minha crítica estava errada, pois quem faz aquela afirmação nunca específica o tipo de PC a que se refere.
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Sempre soube que tenho um rosto bonito, apesar de uma enorme dificuldade de crer no que via no espelho. Porém, além de muito magro – detesto magreza –, meu corpo é cheio de assimetrias e deformações, o que me faz dar como certo que nenhuma mulher gostaria dele, embora não fosse totalmente desprovido de vaidade quanto a ele, pois ficava contente quando a musculatura de alguma parte se desenvolvia em decorrência de uma atividade física. Silvia é esteticamente exigente demais consigo mesma e, nos momentos em que isso vem à tona, às vezes pergunto o que acha do meu corpo, na esperança de atenuar tal exigência, portanto supondo que ele não a agrade. Silvia sempre responde que gosta dele e o compara ao de Mick Jager, o que me deixa cético, procurando qualquer sinal de que tal resposta seja para levantar minha autoestima, dada por educação ou algo parecido. Será que ela gosta mesmo do meu corpo? Para mim, essa hipótese é estranha, quase inconcebível.
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Noutro post, descrevi os problemas que embalar Clara causa à minha mão esquerda. Após voltarmos de Recife o aumento de seu peso agravou esses problemas, com as feridas e assadura na mão causando dores quase insuportáveis quando a embalava e, exceto nos momentos em que nossa diarista está, não tem outra pessoa que a faça dormir. A solução óbvia era usar luva. Silvia me emprestou uma de ginástica, que não resolveu porque não protegia a articulação mais externa dos dedos, onde exerço maior força e se fere mais – ao contrário, tal luva aumentou a pressão nesse local. A luva que serviu foi uma que comprei no último inverno e quase não tinha usado.