Quando têm um filho com paralisia cerebral – ou outras deficiências –, muitas mulheres passam a se focar no tratamento dele, até de modo quase obsessivo, às vezes em detrimento de seu casamento – muitos maridos se separam por essa causa – e dos outros filhos. Foi o que minha mãe fez. Até em torno dos meus quinze anos, ela aprendia os exercícios que as fisioterapeutas faziam comigo para repeti-los em casa – durante um período, os fazia o dia inteiro e não parava nem nos feriados e fins de semana. Me levar a clínicas de reabilitação sempre era muito complicado, ainda mais à medida que foi tendo outros filhos. Todo aquele esforço prejudicou bastante meus irmãos e o casamento de meus pais, embora este não tenha se acabado – quando passei a ter idade para compreender as coisas, isso me deu um sentimento de culpa difícil de acabar.

Há uns trinta anos, minha mãe passou a apresentar uma grave doença psíquica que ela nega, recusa-se a tomar a medicação adequada e ir a psiquiatras, e se ninguém intervir adota comportamentos autodestrutivos que podem levar à morte. Esse problema exaspera todos da família, que acabam fugindo de uma forma ou outra, atitude que eu não podia tomar devido às minhas limitações físicas, há quatorze anos assumi a responsabilidade de cuidar para ela tomar os remédios, dizer quando precisava consultar a psiquiatra, informar esta, mobilizar a família para intervir, etc. Assim, salvei sua vida várias vezes.

Ao longo do tempo, ela foi perdendo os amigos, a vida social, etc, e sua vida se restringiu a pouco mais que frequentar um centro espírita e cuidar da minha irmã que tem deficiência e de mim, o filho a quem é mais ligada. Quando decidi vir morar com Silvia em Curitiba, minha primeira preocupação foi o que aconteceria a minha mãe, temendo que perdesse o sentido da vida e perecesse, embora também tivesse a esperança que essa irmã continuasse a suprir tal sentido. Prevendo uma oposição fortíssima, não comuniquei essa decisão à família, saindo de casa dizendo que só passaria um mês aqui. Nos meses entre a tomada dessa decisão e sua efetivação, ela intuiu que eu estava de partida, inicialmente me advertiu que morreria logo, depois me liberou para ir embora dizendo que Deus a ajudaria a continuar vivendo e ficou oscilando entre as duas posições.

Após chegar a Curitiba, fiquei tergiversando e só contei à família, com muito cuidado, que não voltaria a Recife após ter um mínimo de certeza de que teria êxito, o que levou quase dois meses. Diante desse sucesso e do fato consumado, a família aceitou muito bem, compreendeu que encontrei meu destino e evitei aquela oposição. Como é comum em mães de pessoas com PC, a atitude da minha sempre foi de superproteção quanto a mim, o que gerou fortes conflitos entre nós. Portanto, foi com grande surpresa que vi que, apesar de sentir demais minha ausência, sua reação à minha saída de casa é de felicidade, alegria, principalmente após a gravidez de Silvia, que logo se tornou sua nora favorita – seu negócio é ter noras lindas e que tratem bem a filha que tem deficiência. Creio que me casar com uma mulher linda e maravilhosa com a qual terei uma filha faz com que minha mãe sinta que, no fim, todo o amor, esforço e sacrifício que ela e meu pai dedicaram a mim valeram a pena.

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