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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na manhã de um domingo desses, Clara bateu cedo na porta do nosso quarto, me levantei sonolento para ir ao banheiro, apesar do sono fui ficar com ela em seu quarto para ver se Silvia dormia mais. De fato, ela passou uns 90 minutos comigo antes de chamar a mãe de novo e percebi que minha presença ainda a tranquiliza.
Isso não deveria me surpreender, pois Clara fica sozinha comigo desde o segundo mês de vida – na época, ficava apavorado nessa situação, Silvia dizia “Ronaldo é a única pessoa em quem confio para deixar Clara” e eu tinha vontade de responder “você não sabe o que está dizendo”. Obviamente aquele pavor acabou há muito tempo, mas fiquei apreensivo na penúltima semana, quando fomos à praia com uma cunhada minha, Silvia foi caminhar com esta e deixou nossa filha aos meus cuidados – exceto ter esquecido minha prancha de comunicação no carro, não havia motivo real de preocupação porque a praia tinha pouca gente e Clara é cautelosa, até meio medrosa. Para se entreter, Clara pegou um pedaço de telha para escrever na areia “eu amo meu pai Ronaldo”.
Nesta quarta à noite, caí na gargalhada e Silvia danou-se ao ouvirmos Clara falar “papai é o mais inteligente da casa”. Ela sempre colocou Silvia nessa posição – o que provavelmente está mais perto da realidade – e nunca me considerou particularmente inteligente, o que às vezes fazia me sentir diminuído. Acho que sua percepção a esse respeito mudou porque venho a ajudando (e cobrando) nas tarefas escolares de casa.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Quando fui morar com Silvia em Curitiba, em alguns meses fiquei surpreso ao perceber que meu plano de saúde funcionava bem melhor lá do que em Recife e uma das minhas primeiras objeções a vir para Cabedelo foi que a qualidade dele aqui deveria ser inferior. E estava certo: na crise da cervical, o médico que me atendeu requisitou uma ressonância magnética, quando foi marca-la Silvia soube que, em João Pessoa, meu plano não tem convênio com nenhuma clínica que faça tal exame ou mesmo tomografia e, se quiser os fazer por ele, teria de ir a Natal ou Recife – felizmente, naquela vez acabei não precisando da ressonância.
Há um mês, ao engatinhar me feri na parte superior do pé direito, logo antes dos dedos. Seria uma ferida trivial mas, como esta é minha principal forma de locomoção, ficava a sujando, magoando ao subir e descer das cadeiras e da cama e, em consequência, acabou infeccionada. Tentei resolver usando meia e micropore, não adiantou e o pé começou a inchar. O médico do atendimento domiciliar receitou um antibiótico e uma pomada, teimei com Silvia para não tomar o primeiro, me limitei a usar a segunda, ela passou a andar mais comigo em casa - o que geralmente evito tanto para poupa-la desse esforço quanto para ter alguma independência –, mudei o modo como faço aqueles movimentos e finalmente a ferida sarou, depois de um mês. Simultaneamente, duas semanas após a crise da cervical tive outra distensão muscular na coluna lombar e a coincidência de ambos os problemas começou a me exasperar, mas bastou algumas doses de um relaxante muscular para acabar a dor.
Não é por ter tido sucesso na vida que deixo de sofrer com os problemas típicos da paralisia cerebral.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Minha coluna tem um desvio, as posturas com as quais me sento não são boas e, para usar o computador e o tablet com o dedão do pé, passo bastante tempo com a cabeça abaixada. Esses fatores, de vez em quando, me fazem ter distensões nos ombros, costas e pescoço. Em junho, após dormir toda uma noite virado para a direita, acordei com dor muscular na escapula correspondente, a qual, nos dias seguintes, se espalhou para toda a coluna cervical e às vezes atingia os ombros e o pescoço. No auge, as dores me impediam de arrumar o quarto, dormir bem, atrapalhavam minha locomoção, etc – era desesperador! Tenho refluxo, esofagite e eventualmente gastrite, o que me torna reticente a usar anti-inflamatórios, geralmente duas ou três doses são suficientes para acabar minhas distensões, mas isso não aconteceu nesta crise mesmo quando fiz o tratamento completo. Só melhorei no começo de agosto, quando um médico do atendimento domiciliar receitou dois remédios em comprimido e um injetável; como tenho fobia de injeção – me sinto mal só de ver uma em filmes –, primeiro tomei os comprimidos, as dores tornaram-se residuais, mas temi que voltassem a aumentar, decidi tomar o injetável, quase desmaiei (!) e a crise terminou depois de três meses.
Em princípio, quem tem paralisia cerebral deve fazer fisioterapia neurológica. Porém, devido à escassez de profissionais especializados nesta, 90% da fisioterapia que fiz desde que retomei o tratamento foi motora. O objetivo inicial daquele retorno, em 2010, era reverter o aumento da espasticidade causado pelo envelhecimento – para o qual a motora também servia –, mas com o tempo passou a ser muito mais manter a flexibilidade das articulações, evitar distensões musculares e, quando parei a natação e a equoterapia ao ir para Curitiba, simplesmente ser um exercício físico. Ao chegar em Cabedelo, passei a fazer fisioterapia neurológica, o que acho ter sido o motivo subjacente desta crise na cervical. Reverti tal mudança e espero não ter outra.
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Este vídeo mostra como subo e desço da cadeira adaptada na qual uso o computador e, na maior parte do tempo, o tablet. Parece perigoso para quem tem uma paralisia cerebral de nível 3, com espasticidade, ataxia e atetóide. Porém, calculo que, nos 8 anos que morei em Curitiba, fiz tal acrobacia mais de dez mil vezes e só levei umas três quedas, sem maiores consequências, e aqui em Cabedelo ainda não houve acidente algum. Em Recife, tinha um móvel que eu mesmo desenhei e que me permitia subir e descer com ainda menos risco, sem acrobacia, mas posteriormente não foi possível ter algo semelhante.
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No início do ano, provavelmente devido à maresia meu computador começou a se desligar sozinho, gastei uma quantia considerável tentando consertá-lo até ter que substituí-lo por um laptop. Como mais certeza, a maresia descascou a camada externa das rodas anteriores da minha cadeira de rodas, fomos a uma loja que poderia trocá-las, mas esta já não existia mais e precisei comprar outra cadeira. Somadas, tais despesas são uns 60% da renda anual do patrocínio deste blog.
Logo que fui morar com Silvia em Curitiba, quis fazer um bebedouro adaptado para poder tomar água sozinho, o que foi conseguido com relativa facilidade através de uma terapeuta ocupacional que tinha parceria com um rapaz que tinha uma empresa de soluções para pessoas com deficiência – anos depois, tal bebedouro deu defeito e a mesma T. O. levou outra pessoa para consertar, também sem grande dificuldade. Basicamente tal bebedouro é uma pequena bomba d’água que é acionada por um sensor de presença. Há duas semanas, esse sensor deixou de funcionar provavelmente pela maresia e chamei o faz-tudo que trabalha no condomínio, que não soube consertar. Pedi para Silvia fazer o vídeo abaixo, o enviei a um vizinho que é engenheiro civil esperando – já que o mecanismo interno não é mostrado – que o levasse a vir aqui para abrir a caixa e examinar o interior, mas este também disse que não poderia resolver. Com a mesma expectativa, pedi para minha fisioterapeuta mandar o vídeo a uma T. O. daqui, mas esta se limitou a me recomendar procurar um engenheiro elétrico. Um mal de cidade pequena é o mercado reduzido não permitir que haja profissionais muito especializados. Assim, voltei a precisar de outras pessoas para tomar água, perdi independência de novo.
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Enquanto eu esperava Silvia e Clara perto de um banheiro do maior shopping center de Recife, um homem de terno e gravata passou por mim, virou-se, me perguntou “tá sozinho?”, balancei a cabeça em sinal de “não” e ele seguiu seu rumo. Memorizei esse pequeno gesto entre a miríade do dia porque expressou solidariedade, ele soube fazer uma pergunta fácil de ser respondida por quem tem dificuldade de comunicação, minha paralisia cerebral não o fez supor que sou mentalmente incapaz e pelo contraste com a mulher sem deficiência que havia acabado de entrar no banheiro para PCD na minha presença.
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No fim de abril, fomos a Porto de Galinha para comemorar os 90 anos da minha mãe. Ao chegarmos ao hotel, Silvia foi à recepção fazer o check-in enquanto o resto da família ficou no carro, as meninas foram botar as pulseiras de hospede, me deixando sozinho no estacionamento e, como a porta do meu lado estava travada e a janela, fechada, minha única saída era ir para o banco do motorista, para sair do sol. Voltaram com um funcionário para colocar minha pulseira, depois da surpresa inicial todos da família entenderam meu raciocínio como óbvio, mas ele repetiu três vezes “ele (eu) é esperto” sem se dirigir a mim e com espanto. Em seguida, fomos para o restaurante do hotel para almoçar, Silvia foi ao banheiro com sua primeira filha, o garçom foi à nossa mesa, entregou um cardápio a Clara e outro a minha enteada mais nova, só me deu um quando demonstrei expressamente que o queria e, ainda assim, o botou de cabeça para baixo – ou seja, este supôs que eu não saberia ler de modo algum!
Antes de voltar para João Pessoa, passamos no maior shopping center de Recife. Num momento em que fiquei sozinho, aproveitei para andar na cadeira de rodas pelas imediações, uma atendente de um café se preocupou e me ofereceu ajuda educadamente, só por solidariedade – foi uma das poucas atitudes boas que vi nesta viagem. Antes de saímos do shopping, fomos a um banheiro, Silvia e Clara entraram no feminino enquanto fiquei esperando perto do para pessoas com deficiência e vi uma mulher sem deficiência entrar neste. Tal banheiro estava com um vazamento, tivemos de ir a outro, a mesma situação se repetiu e, quando finalmente entrei no banheiro para PCD, este estava imundo. O banheiro para PCD da parte mais sofisticada do maior shopping de João Pessoa fica trancado e, quando alguém com deficiência precisa, tem de pedir a chave a uma atendente – pelo menos sua administração tomou uma providência a respeito – e sempre há carros estacionados nas vagas para PCD – o que Clara notou não ocorrer em Curitiba –, mas em geral os habitantes daqui tratam melhor esse tipo de gente.
Nasci em Campo Grande-MS, mas fui morar na região metropolitana de Recife aos 6 meses, onde passei a maior parte da vida, portanto o considero a “minha” cidade e, devido a essas atitudes, nesta viagem não tive vontade alguma de voltar a morar lá, o que me entristeceu.
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Há não sei quantos anos, nos dias em que não tínhamos empregada passei a arrumar nossa cama. Silvia resistiu a isso por muito tempo, talvez por achar que era uma crítica implícita – nunca foi – e/ou porque é um tanto complicado para mim – aqui no Nordeste, em alguns dias essa tarefa me deixa molhado de suor – e muitas vezes se antecipava, até que, no início do ano, percebeu que estou a fazendo melhor do que ela.
Acho que este foi o primeiro vídeo que eu mesmo fiz, sozinho, colocando o tablet em cima da minha cadeira adaptada e tocando em “play” com a articulação do mindinho esquerdo em vez da ponta de um dedo. Dupliquei a velocidade para tornar palatável assisti-lo.
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Clara anda um pouco preguiçosa para estudar e fazer as tarefas de casa. No fim da tarde de ontem, Silvia saiu para buscar sua segunda filha e Clara, foi estudar Geografia comigo enquanto eu assistia um jogo de futebol. Sua leitura ainda não é muito fluente, sempre que encontrava uma palavra que não sabia prenunciar direito eu a “falava” pelo Livox e até expliquei o significado de uma, sem demorar muito. Já havia a ajudado a estudar e fazer as tarefas em outras ocasiões, mas foi a primeira vez que o consegui com alguma desenvoltura, corrigir seus erros e dar explicações em tempo hábil, sem precisar voltar muito atrás na conversa. Foi o suficiente para Clara ficar toda feliz, dizer que agora estudar tornou-se divertido, que passará a fazê-lo de boa vontade, etc!
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Ontem no fim da tarde, ao tentar colocar o carregador do meu fone de ouvido para marcar a página do livro que estou lendo, o derrubei no chão, quase caí da cadeira e involuntariamente puxei totalmente o cordão da bermuda com a qual estava – comprei esta e o fone recentemente e ainda não sei se continuarei podendo usá-los. Passei a hora seguinte muito nervoso, a ponto de explodir. Cheguei a um bom termo com a paralisia cerebral, mas é humanamente impossível não ter esses momentos de exasperação com ela.
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