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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Antes de se casar comigo, Silvia queria adotar uma criança achando que assim diminuiria o sofrimento que há no mundo, o tornaria melhor, o que visivelmente é um elemento de seu Complexo de Mulher Maravilha. Às vezes penso que querer um homem com paralisia cerebral severa seja outro desses elementos. Não posso afirmar isso porque ela estava tão mal, nos anos anteriores ao nosso casamento, que após um tempo de estarmos juntos concluiu que teria um infarto, AVC ou algo parecido se não tivesse me encontrado e que salvei sua vida – como a iniciativa do nosso relacionamento foi toda dela, acho essa ideia sem nexo, mas não consigo muda-la. Assim, não sei se ter casado comigo é parte daquele complexo, mas sua atração por mim – que começou em 2000, quando estava bem – provavelmente é.
Meses atrás, assistimos um vídeo que distingue o herói cristão ocidental – que luta, sacrifica-se por uma causa maior – do greco-romano, o qual ver o mundo como meio caótico, sem muito sentido, cheio de coisas terríveis, mas consegue encará-lo, viver com isso, e nos identificamos com esse segundo tipo. De vez em quando alguém me considera o Super Homem, o que sempre rejeitei – e Silvia insiste que sou. De fato, sentir-se atraída por homens fisicamente frágeis – especialmente se a fragilidade for uma deficiência – e que tenham humor, sejam capazes de rir, brincar é como desejar o próprio. Afinal o companheiro mais adequado para a Mulher Maravilha é o Super Homem
Mas, no fim das contas, Silvia desejava salvar um homem frágil e o mundo, ou procurava um Super Homem? Acho que ambas as coisas simultaneamente – essa dialética talvez valesse para outras mulheres que tive –, pois o ser humano é mesmo contraditório: outra característica do herói greco-romano é aspirar ser lembrado, notado, o que é um dos motivos para a existência deste blog mas, sempre que isso ocorre, fico querendo um buraco para me enfiar!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Um dos assuntos mais recorrentes deste blog era Clara recusar que eu a acariciasse – pode-se acompanhar como e porquê tal problema surgiu, se desenvolveu e declinou. Nesta semana, ela me pediu para a acaricia-la com frequência e até insistência, apesar de todos arranhões, trombadas, patadas que dei involuntariamente nela, além de ter perdido uma mecha inteira de cabelo. Obviamente, foi necessário anos de esforço e atenção para controlar minha descoordenação motora ao lidar com ela. Estou feliz por ter tido sucesso.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nesta manhã, quando minha fisioterapeuta chegou Silvia tinha levado suas filhas e resolvi que Clara iria conosco para a sala de pilates, de modo a não ficar enfiada nos streamers. De brincadeira, aquela fez Clara dizer que sou o rei da casa só para, em seguida, esta me montar.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Com o arrefecimento da pandemia no Brasil, meses atrás comecei a pensar em consultar um urologista por prevenção, mas vinha relutando em dar esse trabalho a Silvia e me expor ao risco de pegar COVID-19 até sentir uma dor momentânea no períneo e adjacências – provavelmente foi muscular, mas achei melhor checar a próstata. Meu plano de saúde deu uma guia e uma indicação médica para ir a um hospital conveniado, mas eu não sabia que tinha de levar esta segunda, não pude fazer a consulta e precisei pedir a extensão da validade da guia. Quis marcar a nova consulta pelo WhatsApp, não vi que tinha que dar a confirmação final e, ao voltarmos lá na semana passada, soubemos que nada havia marcado – só fiz trapalhadas nessa história. Silvia teve de conduzir minha cadeira de rodas de ré – para as pequenas rodas dianteiras não engancharem nas lajes da calçada – por uns 80 difíceis metros, além de subir uma rampa bem íngreme, para irmos a outro prédio do hospital, cujo atendente conseguiu me encaixar nos horários de um urologista, que chamou outro – que ela já conhecia e confia mais – para fazer o exame de toque e até hoje tenho que aguentar as piadas dela a esse respeito. Foi detectada uma dilatação na minha próstata, que lembrei que há anos é mostrada em ecografias, mas esqueci que a primeira destas foi em 2014 – devia ter me lembrado desse detalhe, pois foi um episódio que poderia ter me impedido de casar e ser pai. Hoje solicitei os outros exames e espero não fazer mais besteira alguma.
Sempre vetei animal de estimação aqui em casa, por saber que seria mais um trabalho para Silvia. No meio do ano, uma vizinha teve de se mudar às pressas para outro estado e pediu que Silvia ficasse com sua gata preta, embora com a proposta de repassa-la para outra pessoa, o que já me irritou imediatamente. Um mês depois, todos da família tivemos uma doença respiratória, com o consequente é-não-é COVID – não era e, como todos usamos máscara ao sair, a causa devia estar em casa, na gata. Nossa empregada chegou a arranjar alguém para ficar com a gata mas, na hora H, Silvia e sua segunda filha a retiveram e, então, eu disse que daria um sumiço no bicho se mais um membro da família adoecesse – não faria crueldade alguma, só a empurraria para outra pessoa. Na semana passada tive uma asma estranha, já que nenhum dos fatores habituais – doença respiratória, fumaça e poeira – esteve presente e o motivo foi a gata ou a falta da natação. Concedi o benefício da dúvida à gata, resolvi fazer natação por um mês – mais que isso é inviável para Silvia – e já na primeira sessão percebi que a fisioterapia não pode substituí-la. Após uma noite em que dormimos mal devido à gata, a própria Silvia quis se livrar do bicho, mas não teve coragem para tanto, me perguntou se teria e, pela minha expressão facial, viu que sim. Pelo bem da gata, espero que a natação funcione.
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Esta sessão de fisioterapia foi em maio e a filmagem ficou esquecida até hoje, porque foi no dia em que a segunda filha de Silvia testou positivo para COVID-19 e o consequente susto. Está ficando difícil usar Clara como “aparelho de ginástica”, pelo seu crescente peso – no “cavalinho” venho tendo cada vez mais medo de dar uma queda nela. O vídeo evidencia seu hábito de me fazer de brinquedo, aprendido com a mãe
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
No primeiro dia deste mês, fomos ao colégio de Clara para assistir uma apresentação de sua turma. Ao me ver, a coordenadora contou que Clara tinha falado antes que eu iria, após o evento ela subiu no meu colo, alegremente chamou a atenção dos colegas para estar nele e me locomover de cadeira de rodas – talvez se sentisse como se estivesse num trono. É nítido que Clara se orgulha de mim e, embora tenha perfeita consciência das minhas limitações físicas, as encara como dados da natureza, neutros ou até bons – como andar no meu colo na cadeira de rodas –, ainda não desenvolveu o conceito de “deficiência” e muito menos imagina os significados que tem na sociedade. Passei os últimos dias preocupado com o choque de realidade que Clara levará daqui a alguns anos, já que consideramos inevitável que sofra bullying por ter um pai com paralisia cerebral e, por enquanto, não sei o que fazer para atenuá-lo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nesta tarde, fiquei com Clara para Silvia conseguir trabalhar. Para escolher um vídeo do YouTube, Clara veio à varanda, se abaixou ao lado da minha cadeira, meu braço direito – o mais descontrolado – teve uma contração involuntária, o dedo apontador enganchou num cacho de seus cabelos e literalmente o arrancou. Doeu bastante, ela chorou muito mas, quando a dor passou, não ficou com raiva, tristeza, ressentida comigo – ao contrário, me tratou com mais gentileza, foi mais carinhosa comigo, como se quisesse evitar que me sentisse culpado. Ela já sabe que quem tem um pai com paralisia cerebral corre o risco de se machucar seriamente – Silvia às vezes brinca que tenho uma “mão assassina” (a direita) com vontade própria, da qual já levou várias pancadas. Fico mal com esses incidentes.
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