- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Voltei à fisioterapia com relutância (pelo risco da COVID-19) em setembro, mas as dores que motivaram tal retorno apenas se atenuaram. Tenho desgosto da minha magreza e, semanas atrás, para tentar engrossar os braços comecei a exercitá-los com um peso de mão de Silvia. Inesperadamente esse exercício fora da fisioterapia eliminou as dores, embora exista um problema ortopédico, possivelmente uma fusão de vértebras – quando meu pescoço fica em algumas posições, sinto um comichão na ponta dos dedos da mão esquerda.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na madrugada do penúltimo sábado, Clara pediu à mãe para abrir a porta do seu quarto dizendo que estava sem ar. Silvia entrou aflita no nosso quarto contando isso e logo pensamos em COVID-19. Ao ir à sala, vi que Clara parecia estar dormindo tranquilamente e respirando bem, pensei que aquela poderia ser uma afirmação sem nexo que crianças de 4 anos muitas vezes fazem, mas não cuidei de acalmar Silvia e a mim mesmo, a deixei sair para procurar um oxímetro em três farmácias, não encontrou e, ao voltar, comprou um pela Internet. Clara acordou sem problema algum e eu bem que poderia ter evitado esse transtorno.
Dias depois, Silvia começou a apresentar dor na parte de trás do ombro esquerdo. No último sábado à noite, quando estávamos a sós com as meninas, ela falou “Ronaldo, acho que preciso ir ao hospital” achando que era um infarto. Comecei eu mesmo a passar mal, mas, dessa vez, mantive o equilíbrio e a mandei usar o oxímetro para checar seus sinais vitais, que estavam normais. A dor era muscular e acabou na noite de segunda, após ela tomar uma taça de vinho. Um dia Silvia ainda vai me matar de susto!
Por não ter bons movimentos finos, além de outros problemas, a primeira filha de Silvia vive danificando coisas no nosso apartamento, ela a advertiu inúmeras vezes para tomar cuidado com as gavetas do armário da sala e, mesmo assim, quebrou uma ontem. Como este foi caro, assim como seria seu conserto, e os danos são frequentes, Silvia se desesperou, chorou muito, ficou literalmente se esfolando para recolocar a gaveta no lugar sem sucesso. Percebi que poderia ajudar a recolocação, fui para perto, vi que devia usar o pé em vez da mão, Silvia demorou um pouco para tentar de novo e, quando botou o lado direito, enfiei um pé embaixo da gaveta para sustentar esta enquanto ela encaixava o outro lado; foi um movimento tão exato e sutil – algo raro dadas minha paralisia cerebral e a tensão da situação – que Silvia não o notou. Só então ela se acalmou, mas a gaveta ficou sem trava e agora pode machucar seriamente o pé de alguém.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Comecei outubro com a perspectiva de sair sozinho com Silvia, mas a única vez que pus os pés fora do nosso condomínio naquele mês foi para levar um documento a um local distante trancado num carro com as três meninas no banco traseiro, em grande parte porque ela tende a ficar em casa e temeu que eu pegasse COVID-19. Naquele momento, decidimos passar três dias numa praia de Florianópolis em novembro, nesse ínterim a pandemia explodiu lá, ao perceber que pouco poderíamos sair nessa cidade comecei a achar que seria um fiasco e desperdício de dinheiro e, para mim, a questão se reduziu a poder ir à praia ou não – Silvia insistia que sim, o que eu considerava incoerente. Às vésperas da viagem, a previsão era de chuva todo o tempo e minha má vontade aumentou, o que nos fez adia-la para dezembro e estendê-la para seis dias.
A Praia de Daniela é escassamente povoada e o risco de contágio, baixo. Quando chegamos, estava ensolarada e aproveitamos para ir logo à praia. Antes da areia há uma faixa de vegetação de uns 15m e atravessá-la a pé comigo cansou Silvia, mas horas depois ela descobriu passarelas de madeira para acesso a cadeirantes. Choveu muito nos três dias seguintes, como alternativa desejávamos circular de carro pela cidade, descendo em alguns locais se possível, mas suas filhas só queriam ir à praia ou ficarem em dispositivos eletrônicos. Conseguimos vencer tal resistência no segundo dia, mas não no terceiro e, à noite, ao ver todas – inclusive Silvia e Clara – enfiadas neles fiquei exasperado, furioso. O sol voltou no quinto dia, o que nos permitiu retornar à praia, reduziu a oposição das meninas aos passeios de carros e Silvia me mostrou alguns belos pontos de Florianópolis.
O mar é calmo em Daniela mas, nas duas primeiras vezes que entrei nele, lidei muito mal com as ondas, não conseguindo ultrapassar a faixa de arrebentação, o que estranhei porque desde a infância tinha a habilidade de ficar bem até num mar bravio e cheguei a pensar que meu cérebro estava envelhecendo mais rápido do que imaginava. Porém, na terceira vez ficamos num trecho onde o mar é mais quente e meus movimentos voltaram a ser adequados – assim, acho que o problema era que a água fria aumentava minha espasticidade (rigidez muscular).
Silvia sempre quis me levar à Florianópolis, falando que é muito bonita e organizada. Realmente a achei uma bela cidade, mas pouco organizada – ela retrucou que estava comparando com as cidades nordestinas, enquanto eu pensava em termos de Curitiba – e com a curiosidade de que a grande maioria das calçadas tem piso de guia para cegos e raras possuem rampa de acesso para cadeira de rodas. De qualquer forma, essa viagem valeu a pena.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Neste ano, nas refeições frequentemente Clara tem se dispersado, sentando e saindo da cadeira, acabando por perder o apetite. É comum Silvia reagir dando sua comida, o que me aborrece por aumentar sua dependência e fico a mandando – com gestos e sons inteligíveis só para quem é da família – comer com a própria mão, com sucesso razoável. Nos últimos dias, observei um aumento dessa autoridade: no sábado passado, Silvia passou a tarde a chamando para se banhar até que usei o Livox para dizer “Clara, vá tomar banho” e fui prontamente obedecido; na noite de segunda, Silvia sentiu muita dor de cabeça, foi se deitar, para organizar as coisas eu disse “Clara, quando esse vídeo acabar vamos dormir” e, após o vídeo terminar, realmente ela desligou a TV e foi para seu quarto. Talvez não devesse me surpreender por ter tal autoridade sobre Clara, pois já sabia que a Psicologia diz que o pai tende a tê-la mais do que a mãe – e Silvia sempre quis e cobrava isso de mim. Mas supunha que minhas fragilidade física e dependência em relação a esta me impedissem de adquiri-la.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
A Psicologia infantil chama de “materiais não-estruturados” quaisquer objetos que não foram feitos para brincar que uma criança usa com essa finalidade através da sua imaginação. Acho que o motivo para Clara brincar tanto comigo – além do desinteresse das irmãs e ter sido eu que ensinei involuntariamente alegria e bom humor a ela – é que sou um análogo humano disso, pois, pela impossibilidade de falar e outras limitações físicas, raramente posso criar ou determinar brincadeiras, as quais ficam inteiramente por conta da imaginação dela.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Clara continua imperativa demais com as irmãs sem que eu consiga encontrar um jeito de intervir nas ocasiões em que isso se manifesta. Após a pior situação que tal comportamento gerou – na qual causou um transtorno enorme à família e fiquei furioso, descontrolado emocionalmente (Silvia tinha saído) – usei o Livox para falar “Clara, você não pode mandar nas suas irmãs”, mas ela se fingiu de desentendida.
Ontem na hora do jantar, faltou energia no nosso bairro, quando as meninas se aquietaram a família começou a conversar no sofá, abri o Livox, com o qual brincaram um pouco, aproveitei para dizer “Clara é linda, mas precisa tratar melhor as irmãs’, frase que depois achei vaga por não dar um exemplo concreto, mas que ela entendeu perfeitamente e se levantou para me responder que cedeu alguma coisa à mais nova durante a tarde. Foi a primeira vez que tive efetividade a esse respeito.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ontem à tarde, Silvia levou suas filhas à dentista, deixando Clara comigo e com a empregada, que depois foi para casa. Clara passou boa parte desse intervalo correndo de um lado a outro da sala, jogando-se e rolando no sofá e dizendo que é “radical”. Parece que ela está começando a incorporar meu espírito de paraquedista – Silvia discorda veementemente disso
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na semana passada, comecei a notar, com tristeza, Clara assistindo por muito tempo vídeos – na maioria idiotas – de serviços de streaming ou usando aplicativos de jogos, acho que para não atrapalhar o trabalho de Silvia. O incômodo é maior por vermos que ela deseja voltar à escola, estudar e ser alfabetizada, além de estarmos nos convencendo de que é bem inteligente. Passei a me esforçar mais para tira-la do tablet e da TV, faze-la brincar mais comigo, e só ontem comecei a ter sucesso.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Desde o último episódio de ciúme de mim, Clara geralmente passa as tardes comigo, às vezes me pedindo carinho e até para botá-la para dormir – em parte, tal comportamento deve-se a ela já ter consciência de que precisa deixar Silvia trabalhar. Curiosamente, de manhã ela fica meio refratária a mim.
Vinha tendo dores nas costas pela falta da fisioterapia devido à pandemia de COVID-19 e, apesar disso, dizendo “não” quando a profissional que me atende perguntava se queria retomá-la. Acontece que o primeiro marido de Silvia morreu dessa doença, o que provocou várias tensões aqui em casa que, por sua vez, causaram uma distensão muscular na junção do meu pescoço com o ombro esquerdo que às vezes se espraia para toda a musculatura que envolve a escápula. Tomei relaxante muscular várias vezes, não resolveu, acabei retornando à fisioterapia, que diminuiu a dor, mas esta contínua porque ainda não consegui faze-la com regularidade.
No início do isolamento social, quando dispensamos nossa empregada, passei a arrumar a cama após me acordar – às vezes já fazia isso em Recife, mas lá era só botar no guarda-roupa o lençol com que me cobria, enquanto aqui em Curitiba tenho que puxar as cobertas dos lados, circulando ao redor da cama, engatinhando ou de joelhos, num quarto apertado. Há duas semanas, Silvia chegou ao quarto no momento em que eu desempenhava tal tarefa, disse “mas é mesmo o homem ideal” e me fez uma série de elogios. Fiquei surpreso e só depois atinei que poucos homens fazem o mesmo, sobretudo se puderem usar uma deficiência como desculpa. Mas foi Silvia que terminou de arrumar a cama, devido a um corolário de seu complexo de Mulher Maravilha – uma grande dificuldade de permitir que outra pessoa faça algo em seu lugar: em algumas ocasiões, vou apagar uma luz e ela se antecipa (nesse caso, também para me provocar).
Sou quem faz o grosso das compras de supermercado (pela Internet), com Silvia indo a esse tipo de estabelecimento só para compras menores. No início da pandemia, justamente quando tal esquema era mais necessário, ela resolveu assumir todas as compras desse tipo, alegando que as novas regras do condomínio dificultavam a entrega – não fui convencido, mas não havia muito que eu pudesse fazer. Tais regras mudaram de novo há duas semanas, reassumi essas compras e Silvia achou ótimo dispor de mais tempo – lidar com a Mulher Maravilha pode ser tortuoso
Ultimamente tem acontecido de Silvia dar minha comida enquanto cuido para Clara comer com a própria mão. Ensinar independência numa situação de dependência é paradoxal.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nesta manhã, Clara rejeitou todas as tentativas de aproximação que fiz. Depois do almoço, Silvia teve de sair para uma reunião, sua segunda filha procurou minha ajuda para fazer as lições de casa, Clara teve ciúme e não queria que eu fizesse qualquer coisa para sua irmã. Demorei uns dez minutos agoniado para conseguir digitar no Livox a instrução que minha enteada precisava – em seguida, tive de ir brincar com Clara e me dividir entre as duas. À noite, ela pegou uma revistinha e um lápis para fazer de conta que estava estudando comigo e me chamou de “professor sereio de matemática”. É fogo, além de precisar evitar problemas com o ciúme da mãe, agora tenho de fazer o mesmo com a filha
Apoie este blog pelo Pix