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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Para horror de Silvia, quero que Clara salte de paraquedas, voe de asa delta e parapente, etc, mas nunca dei um piu com esta sobre isso. Do nada, dias atrás esta começou a nos perguntar se queríamos voar de asa delta, rindo respondi que sim enquanto Silvia tentou demove-la da ideia, não conseguiu e ficou invocada. Na última quinta, Silvia deu um antigo binóculo, Clara foi observar a rua pela varanda, notou a grade de proteção da janela, aquela explicou que é para não cair para fora e morrer, e esta respondeu “mas eu gosto de paraquedas” – me limitei a gargalhar. Não sei de onde Clara tirou tais ideias – será que foi do DNA?
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Como milhões de mães e pais, a pandemia nos colocou num dilema quanto à volta às aulas presenciais no início de fevereiro. Há unanimidade entre os pediatras que tal retorno deve ocorrer, mas notei inquieto que nenhum cita pesquisas científicas sobre a variante P1 em crianças e, de fato, ao responder um comentário meu no Instagram um deles disse que estas ainda não existem e que se baseiam só na prática clínica – mesmo assim, quando os vejo falando tenho a impressão de que se referem ao SARS-Cov2 em geral, e não especificamente à P1; mais tranquilizador é ver médicos enviarem os próprios filhos a colégios. Apesar disso, mandamos as meninas ao colégio, percebi uma melhora imediata no comportamento de Clara, em especial a recuperação de parte de sua independência perdida, e que ela estava sendo mais prejudicada pelo isolamento social do que imaginávamos.
Durante o carnaval, Clara passou um bom tempo brincando comigo, me dando a impressão de que sentiu minha falta. Na segunda-feira daquele período, a suspendi pelos quadris, o que ela achou muito divertido, ficamos cerca de uma hora nos embolando no chão, com brincadeiras que tipicamente os pais fazem com os filhos – mais brutas do que as das mães – sem ela se incomodar que às vezes eu a machucasse ou arranhasse involuntariamente. Enfim, Clara superou o medo do contato físico, corporal comigo, o que eu desejava há anos.
No fim daquele mês, as escolas do Paraná fecharam de novo. Quando o antigo colégio de Clara começou a dar aulas virtuais, ela as assistia com alegria mas, dessa vez, começou totalmente dispersa e até se negando a fazê-lo, o que nos perturbou demais. A primeira filha de Silvia tem, entre outros problemas, TDAH e muitas vezes esta vê um comportamento dispersivo de Clara como sinal desse distúrbio, o que não tem nexo e, mesmo também estando perturbado, tratei de acalmar esta. Nos dias seguintes, Silvia mais uma vez mostrou-se uma mulher incrível e, apesar de ter que trabalhar, foi conseguindo que Clara se concentrasse nas aulas. Na reabertura dos colégios, ficamos num vai-não-vai, desorientados, até que assumi a responsabilidade pelas meninas irem.
Na manhã desta terça, Silvia levou suas filhas ao dentista enquanto fiquei entretendo Clara. Brincadeiras de pai exigem muito fisicamente, pois suspender ou carregar uma criança de 17 kg cada vez mais ousada cansa demais, preciso prestar atenção em limitar minha descoordenação motora e me causaram uma distensão na coluna lombar. De novo notei que fica mais organizada quando minha presença se sobressai: nas semanas anteriores, ao tirar algo do baú de brinquedos Clara deixava uma bagunça mas, nesse dia, os guardou todos, só tirou uma boneca e até ajeitou as almofadas – ao saber disso, Silvia me falou “você é o brinquedo dela, não precisa de outros”. Clara gostou tanto que, após as aulas da tarde, veio me chamar dizendo “vamos brincar de fazenda, você é o cavalo” e se montou em mim – ela já aprendeu com a mãe a me sacanear!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Silvia quis levar a família à Vila dos Animais no último sábado. Já na noite anterior comecei a me preocupar com o movimento da cadeira de rodas nas trilhas do local. De fato, estas são calçadas com pedrinhas que emperram as pequenas rodas dianteiras, só sendo possível o movimento das traseiras. Mesmo se não estivéssemos com as meninas, Silvia não teria força para conduzir a cadeira assim e eu teria passado o dia todo numa plataforma de concreto sem fazer nada se um prestativo amigo da sua família não tivesse ido conosco. Bem que tentei ficar lá para não incomoda-lo, o que não consegui porque ambientes campestres – aos quais me refiro pejorativamente como “mato”– me entediam profundamente e já estar irritado por Silvia, desde o início da pandemia, só querer que eu saia para fazer “programa de índio”. Ainda assim, me limitei a pedir que ele me movesse de um ponto a outro, sem eliminar o tédio até o fim da tarde, quando inventei de andar de cavalo. Teria sido melhor para mim se tomasse mais a iniciativa – p. ex, logo depois houve um passeio de trator que eu poderia fazer, mas fiquei com receio de abusar da boa vontade dele. As meninas é quem se divertiram e eu gostaria que Clara fosse mais lá para não ficar com medo de bicho.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Um dos inúmeros dons de Silvia é escrever poesias e hoje fez esta a meu respeito:
As palavras que saem de seus pés,
Por sobre a tábua encantada,
São tão sensatas!
Assombram-me!
Metem-me em brios.
Não raras vezes quero me esquivar de ouvir essa realidade
Que chega pelos seus pés.
É uma característica minha sobre a qual já tinha feito um post, mas de modo objetivo, sem a sensibilidade dela.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Voltei à fisioterapia com relutância (pelo risco da COVID-19) em setembro, mas as dores que motivaram tal retorno apenas se atenuaram. Tenho desgosto da minha magreza e, semanas atrás, para tentar engrossar os braços comecei a exercitá-los com um peso de mão de Silvia. Inesperadamente esse exercício fora da fisioterapia eliminou as dores, embora exista um problema ortopédico, possivelmente uma fusão de vértebras – quando meu pescoço fica em algumas posições, sinto um comichão na ponta dos dedos da mão esquerda.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na madrugada do penúltimo sábado, Clara pediu à mãe para abrir a porta do seu quarto dizendo que estava sem ar. Silvia entrou aflita no nosso quarto contando isso e logo pensamos em COVID-19. Ao ir à sala, vi que Clara parecia estar dormindo tranquilamente e respirando bem, pensei que aquela poderia ser uma afirmação sem nexo que crianças de 4 anos muitas vezes fazem, mas não cuidei de acalmar Silvia e a mim mesmo, a deixei sair para procurar um oxímetro em três farmácias, não encontrou e, ao voltar, comprou um pela Internet. Clara acordou sem problema algum e eu bem que poderia ter evitado esse transtorno.
Dias depois, Silvia começou a apresentar dor na parte de trás do ombro esquerdo. No último sábado à noite, quando estávamos a sós com as meninas, ela falou “Ronaldo, acho que preciso ir ao hospital” achando que era um infarto. Comecei eu mesmo a passar mal, mas, dessa vez, mantive o equilíbrio e a mandei usar o oxímetro para checar seus sinais vitais, que estavam normais. A dor era muscular e acabou na noite de segunda, após ela tomar uma taça de vinho. Um dia Silvia ainda vai me matar de susto!
Por não ter bons movimentos finos, além de outros problemas, a primeira filha de Silvia vive danificando coisas no nosso apartamento, ela a advertiu inúmeras vezes para tomar cuidado com as gavetas do armário da sala e, mesmo assim, quebrou uma ontem. Como este foi caro, assim como seria seu conserto, e os danos são frequentes, Silvia se desesperou, chorou muito, ficou literalmente se esfolando para recolocar a gaveta no lugar sem sucesso. Percebi que poderia ajudar a recolocação, fui para perto, vi que devia usar o pé em vez da mão, Silvia demorou um pouco para tentar de novo e, quando botou o lado direito, enfiei um pé embaixo da gaveta para sustentar esta enquanto ela encaixava o outro lado; foi um movimento tão exato e sutil – algo raro dadas minha paralisia cerebral e a tensão da situação – que Silvia não o notou. Só então ela se acalmou, mas a gaveta ficou sem trava e agora pode machucar seriamente o pé de alguém.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Comecei outubro com a perspectiva de sair sozinho com Silvia, mas a única vez que pus os pés fora do nosso condomínio naquele mês foi para levar um documento a um local distante trancado num carro com as três meninas no banco traseiro, em grande parte porque ela tende a ficar em casa e temeu que eu pegasse COVID-19. Naquele momento, decidimos passar três dias numa praia de Florianópolis em novembro, nesse ínterim a pandemia explodiu lá, ao perceber que pouco poderíamos sair nessa cidade comecei a achar que seria um fiasco e desperdício de dinheiro e, para mim, a questão se reduziu a poder ir à praia ou não – Silvia insistia que sim, o que eu considerava incoerente. Às vésperas da viagem, a previsão era de chuva todo o tempo e minha má vontade aumentou, o que nos fez adia-la para dezembro e estendê-la para seis dias.
A Praia de Daniela é escassamente povoada e o risco de contágio, baixo. Quando chegamos, estava ensolarada e aproveitamos para ir logo à praia. Antes da areia há uma faixa de vegetação de uns 15m e atravessá-la a pé comigo cansou Silvia, mas horas depois ela descobriu passarelas de madeira para acesso a cadeirantes. Choveu muito nos três dias seguintes, como alternativa desejávamos circular de carro pela cidade, descendo em alguns locais se possível, mas suas filhas só queriam ir à praia ou ficarem em dispositivos eletrônicos. Conseguimos vencer tal resistência no segundo dia, mas não no terceiro e, à noite, ao ver todas – inclusive Silvia e Clara – enfiadas neles fiquei exasperado, furioso. O sol voltou no quinto dia, o que nos permitiu retornar à praia, reduziu a oposição das meninas aos passeios de carros e Silvia me mostrou alguns belos pontos de Florianópolis.
O mar é calmo em Daniela mas, nas duas primeiras vezes que entrei nele, lidei muito mal com as ondas, não conseguindo ultrapassar a faixa de arrebentação, o que estranhei porque desde a infância tinha a habilidade de ficar bem até num mar bravio e cheguei a pensar que meu cérebro estava envelhecendo mais rápido do que imaginava. Porém, na terceira vez ficamos num trecho onde o mar é mais quente e meus movimentos voltaram a ser adequados – assim, acho que o problema era que a água fria aumentava minha espasticidade (rigidez muscular).
Silvia sempre quis me levar à Florianópolis, falando que é muito bonita e organizada. Realmente a achei uma bela cidade, mas pouco organizada – ela retrucou que estava comparando com as cidades nordestinas, enquanto eu pensava em termos de Curitiba – e com a curiosidade de que a grande maioria das calçadas tem piso de guia para cegos e raras possuem rampa de acesso para cadeira de rodas. De qualquer forma, essa viagem valeu a pena.
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Neste ano, nas refeições frequentemente Clara tem se dispersado, sentando e saindo da cadeira, acabando por perder o apetite. É comum Silvia reagir dando sua comida, o que me aborrece por aumentar sua dependência e fico a mandando – com gestos e sons inteligíveis só para quem é da família – comer com a própria mão, com sucesso razoável. Nos últimos dias, observei um aumento dessa autoridade: no sábado passado, Silvia passou a tarde a chamando para se banhar até que usei o Livox para dizer “Clara, vá tomar banho” e fui prontamente obedecido; na noite de segunda, Silvia sentiu muita dor de cabeça, foi se deitar, para organizar as coisas eu disse “Clara, quando esse vídeo acabar vamos dormir” e, após o vídeo terminar, realmente ela desligou a TV e foi para seu quarto. Talvez não devesse me surpreender por ter tal autoridade sobre Clara, pois já sabia que a Psicologia diz que o pai tende a tê-la mais do que a mãe – e Silvia sempre quis e cobrava isso de mim. Mas supunha que minhas fragilidade física e dependência em relação a esta me impedissem de adquiri-la.
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A Psicologia infantil chama de “materiais não-estruturados” quaisquer objetos que não foram feitos para brincar que uma criança usa com essa finalidade através da sua imaginação. Acho que o motivo para Clara brincar tanto comigo – além do desinteresse das irmãs e ter sido eu que ensinei involuntariamente alegria e bom humor a ela – é que sou um análogo humano disso, pois, pela impossibilidade de falar e outras limitações físicas, raramente posso criar ou determinar brincadeiras, as quais ficam inteiramente por conta da imaginação dela.
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