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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
No fim do Século XX, quando meu site dava muita mídia, diante do meu bom humor e riso aberto uma repórter de um jornal de Recife me perguntou se era feliz. Não soube responder, pois achava até o próprio conceito de felicidade vago, indefinível e nunca a tive como objetivo – buscava coisas mais palpáveis. Depois é que li alguns artigos plausíveis sobre felicidade. Uma das lições que aprendi desses textos é que um erro defini-la como posse de objetos, pois, quando se consegue eles, passa-se a desejar outros, embora um mínimo de bem-estar material seja necessário. Hoje, para mim é nítido que não soube responder àquela pergunta porque não era feliz e que me tornei nos últimos quatro anos que vivi lá, quando fiz novas amizades, passei a ter uma renda estável e que me permitiu ter sexo com regularidade, mas sempre me queixava a meus amigos da falta de uma namorada, do amor de uma mulher. Ao (re)encontrar Silvia minha felicidade se completou e duplicou com Clara.
Às vezes fico aterrorizado com a pandemia de CONVID-19 e pelo Brasil ter um presidente nazista, que acha esta uma ótima oportunidade de se livrar de idosos, doentes, pessoas com deficiência e outros indesejáveis – sem o isolamento social, a economia terá uma contração pior. Apesar disso, nos últimos dias tenho me sentido feliz – obviamente, um dos motivos é ter os recursos e privilégios da classe média. Mas também assim é porque, ao menos desde os 20 ou 30 anos, sempre soube o que é importante para mim, meus desejos não mudaram após serem realizados e não eram excessivamente de objetos.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ontem à noite, ao escovar meus dentes Silvia deu um beijo na minha face, sorri e involuntariamente fechei os olhos curtindo esse gesto de amor, o que gerou uma longa série de recordações. A primeira foi que, em torno de 1999, estava apaixonado por uma psicóloga, vice-versa, chegamos a viajar juntos, mas nada houve entre nós, situação que fez uma amiga surda me perguntar pelo velho ICQ “nunca beijou a boca de uma mulher que você ama?” e, para espanto dessa amiga, total constrangimento meu e talvez vergonha, tive de responder “não” – então já tinha 35 anos. Na época e ainda por muito tempo, transava com prostitutas, que têm por regra não beijar a boca dos clientes e, se alguma a quebrou comigo, não lembro – tal ausência de lembrança indica que, se aconteceu, isso não teve nenhum significado afetivo para mim.
Um ou dois anos depois, comecei a namorar, mas não consegui amar as primeiras três mulheres com quem o fiz. Só em 2004 é que poderia responder “sim” àquela pergunta, porém o fim desse quarto relacionamento foi tão difícil para mim que, quando o recordo, preciso me esforçar para não considera-lo algo negativo – na verdade, foi muito bom. Por razões diferentes, o mesmo pode ser dito do namoro seguinte, o último antes de conhecer Silvia.
É por esse histórico que continuo me deleitando com os beijos da minha linda e maravilhosa esposa.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
O isolamento social devido à pandemia do SARS-Cov-2 visa tanto evitar a saturação do sistema de saúde quanto reduzir o contágio na população, mas, quando acabar, o vírus continuará circulando e algumas pessoas, adoecendo. Não estamos deixando as meninas descerem para as ótimas áreas comuns do nosso condomínio nem as filhas de Silvia irem para a casa do pai, mas ela continua precisando sair para fazer compras, além de haver alguns outros fatores de risco. Posso passar meses confinado ao apartamento, mas um dia isso vai abalar meu equilíbrio psicológico e terei de sair, embora pretenda faze-lo só no momento em que dispor de uma máscara apropriada. Por tais motivos, tenho certeza que terei a COVID-19. Se for um caso grave e durante a saturação do sistema, o código de ética médica diz que eu seja preterido em favor de alguém mais jovem, sem deficiência e anteriormente saudável – numa situação de desespero, nunca um médico vai acreditar que levo uma vida boa e feliz, melhor que a de muita gente sem deficiência.
Digitei o paragrafo acima friamente, sem medo algum. Clara não tem apneia há uma semana, o que me tranquiliza, embora fique sobressaltado com qualquer tosse ou espirro desta. Há três dias tentei pensar no que fazer se Silvia adoecer e fiquei tão aterrorizado que não consegui, tratei de botar outra coisa na cabeça.
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O isolamento social é um elemento quase inevitável da vida de quem tem paralisia cerebral e a pandemia de COVID-19 só o acentuou um pouco. Já que minha fisioterapeuta parou de atender, venho procurado ter a disciplina de me exercitar a cada dois dias para aumentar minha chance de sobrevivência – que hoje imagino ser de 90% –, embora não consiga fazer todos os exercícios sozinho. Meses depois de nos casarmos, Silvia começou a trabalhar em home office, portanto ela continua precisando desempenhar suas atividades profissionais normalmente. Tem sido um desafio combinar isso com limpar o apartamento, cuidar das meninas, mantê-las entretidas, cozinhar, etc, ainda mais porque dispensamos (remuneradamente) nossa empregada e a diarista – mais uma vez, ela tem mostrado ser uma mulher incrível. Quem vem a ajudando muito é sua segunda filha, enquanto pouco ou nada tenho conseguido colaborar, estou sendo quase totalmente inútil. De qualquer forma, continuamos bem de saúde.
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Meus sogros moravam em Brasília há quase 15 anos, apesar de Silvia ter comprado o apartamento em que moramos originalmente para voltarem a Curitiba. Silvia passou o segundo semestre de 2019 se desentendo com uma pessoa de quem depende, imaginando que, se fossemos morar lá, teria uma grande ajuda da mãe e da irmã que não poderia ocorrer, pois seus pais já estão bem senis e esta estava sobrecarregada por cuidar sozinha deles, além de Brasília ser menos estruturada – p. ex, lá o Judiciário é muito menos informatizado, o que a obrigaria a sair para trabalhar com frequência, algo que raramente faz aqui. Esses e outros problemas deveriam ser óbvios para Silvia, assim como a conclusão de que tal mudança seria desastrosa, os quais não enxergava por ter uma grande carência da mãe e passei o período tendo de esmiunçar a realidade – uma vez Silvia até descontou a raiva daquela pessoa em mim por essa causa! No fim do ano, senti aperto no perto e outros sintomas de estresse alto, demorei para compreender porquê e creio que o motivo foi que ter ficado seis meses impedindo Silvia de tomar decisões insensatas, por raiva e carência, me fez sentir que as coisas dependem mais de mim do que eu supunha.
Naquele período, insisti com Silvia que era o momento de ajudar sua família em vez de esperar auxílio desta. De fato, acabaram decidindo voltar para Curitiba, embora minha influência nessa decisão tenha sido pouca ou nula. Minha cunhada quis me encarregar das finanças da mãe, não gostei nada da ideia e Silvia a convenceu a me responsabilizar apenas pela metade do dinheiro disponível. Devido à carência citada acima, ela se negou a enxergar a progressão da senilidade da mãe e queria que esta assumisse alguns cuidados com Clara, o que tive praticamente de proibir – mas minha sogra tem consciência de que pouco pode fazer pela neta. Tiveram muita dificuldade em organizar o novo apartamento e, apesar de eu ter dado alguma ajuda, Silvia ficou bastante cansada, ressuscitando meu medo de ela sofrer uma estafa. Essa situação me fez ter, no fim de fevereiro, um verdadeiro ataque de ansiedade, com desfalecimento e alteração do ritmo cardíaco numa ocasião em que não havia motivo imediato para tanto.
Desde o fim de 2019, sabemos que Clara tem hipertrofia de adenoide com indicação de cirurgia, a qual relutamos em fazer. No dia da chegada da família de Silvia, tal problema combinou-se com uma laringite para levar Clara a ter apneia durante o sono, o que foi assustador – a laringite foi curada, mas sua respiração não está totalmente boa. Quando a pandemia de COVID-19 se configurou, eu quis fazer logo a cirurgia, Silvia não e acabei concordando com ela porque, se ainda fosse possível, seria num momento em que o vírus estaria amplamente disseminado. Assim, estou com medo que Clara adoeça gravemente. Devido às dificuldades respiratórias causadas pela paralisia cerebral, estou no grupo de risco, acho que tenho uma chance de 8 a 12% de morrer e o dobro de ser um caso grave, mas não ligo para isso, só me preocupando com meus familiares vulneráveis. Esta pandemia, com todas suas consequências, tem me feito ficar com aperto no peito quase permanentemente, que só passa com o carinho de Silvia.
Acho que tenho uma tendência a desenvolver um transtorno de ansiedade.
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Durante o jantar de domingo, Clara pôs muitos livros em pé num tapete, como se fosse um cercadinho, e quis brincar comigo. Perguntou “pai, você é o monstro?”, respondi “não” com um gesto de cabeça, a apontei para comunicar “você é que é o monstro” e Silvia comentou rindo “você (eu) é mesmo terrível”. Inicialmente, Clara reagiu dizendo “mas sou a sereia”, porém em seguida falou algo como “está bem, sou o monstro” e começou a derrubar os livros. Parece que Clara herdou minha tendência de achar os vilões mais interessantes, apesar de ser amorosa. Achei hilário.
Preciso mudar este o servidor deste blog e contratar um webdesigner para reconstruí-lo todo, um custo alto para o tamanho da minha renda, além de implicar apagar e republicar todos os posts nas redes sociais. Ontem, mesmo sem qualquer manifestação explícita da minha parte, no jantar Clara me perguntou “pai, você está triste? É por que ficou com saudades de mim, porque passei o dia todo na escola?” e respondi “sim” com a cabeça a ambas perguntas. Ela interpreta perfeitamente minhas expressões faciais.
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Na noite de domingo, Clara quis brincar comigo, ficou num deita-levanta do meu colo e botando meu braço direito – o mais descoordenado, me dando medo de machucá-la – em cima dela. Deitou-se nos meus braços e, de joelhos, passei a levanta-la e abaixa-la com ela rindo muito, o que fez Silvia temer que eu a derrubasse. Por fim, Clara sentou no meu colo e me fez aconchega-la toda com meus braços e cabeça – não me lembro de ela já ter querido tanto contato corporal comigo. Desde então, ela tem me beijado espontaneamente – antes eu tinha de pedir beijos e frequentemente não era atendido – e acariciado bastante, além de estar brincando comigo todos os dias.
Desde que Clara se afastou de mim, tínhamos a expectativa – na qual Silvia insistia quando eu ficava triste – de que se reaproximasse em algum momento, mas tal esperança foi enfraquecendo com a passagem do tempo. Particularmente, em janeiro a vi abraçando duas vizinhas enquanto rejeitava totalmente ser acariciada por mim, o que me causou uma profunda tristeza. A mudança foi repentina, acho que o motivo é ela ter entrado no complexo de Electra e não sei se vai durar – neste blog, já escrevi três vezes que ela tinha se reaproximado de mim e, no fim, foi só momentaneamente. Seja como for, estou alegre, feliz.
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Na sexta à noite, Clara achou uma corda com um laço, veio me chamar para brincar de cavalinho e pôs a corda em mim como se fosse rédeas. Montada em mim, ela falava que era “cavaleira”, “segura peão” e outras coisas que me fizeram rir muito. Estava me cansando – carregar 15kg nas costas não é mole –, tinha tomado uma lata de cerveja, fiquei relaxado e quis parar a brincadeira com medo de derrubá-la por supostamente estar com menos reflexos– só depois lembrei que um pouco de álcool melhora os meus, ao reduzir a espasticidade –, mas ela insistiu em continuar. Após alguns minutos, a corda começou a apertar meu pescoço, nossa diarista fez Clara compreender o perigo e desmontar. Nos dois dias seguintes, Clara brincou bastante comigo, nesta manhã me permitiu acaricia-la e até pediu mais carinho, o que me deixou bem feliz.
O que imagino haver acontecido foi que, pelo tempo na escola e a agitação das irmãs, ao longo da semana passada Clara quase não teve contato comigo, sentiu minha falta e quis curtir o pai. Só o tempo dirá se a barreira para acaricia-la foi mesmo quebrada.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
No início do mês, Silvia foi jantar com uma amiga e Clara de novo dormiu no sofá acariciando minha cabeça, falando que estava fazendo “um carinho gostosinho”. No resto de janeiro, ela adormeceu duas vezes da mesma forma apesar de Silvia também estar no sofá, mostrando que Clara realmente gosta de fazer isso desde que haja sossego em casa, o que é impedido pela presença das suas irmãs – o problema não é só a agitação destas, mas também que geralmente não há espaço para me aproximar do sofá.
Clara também adora andar no meu colo na cadeira de rodas, no que insiste – tanto por gostar quanto por preguiça – até quando preferimos que ande com as próprias pernas.
O medo acentua a descoordenação motora de pessoas com paralisia cerebral. No tempo em que Clara era bebê, o temor de machucá-la, a consciência da descoordenação e desse fator agravante frequentemente me inibiam de acaricia-la. Agora esse medo acabou, mas, sempre que tento, ela rejeita meu toque porque, embora só tenha a machucado em pouquíssimas ocasiões e nunca com gravidade, os movimentos bruscos que eu fazia a assustavam e a marcaram.
Em resumo, Clara até me faz algumas carícias, mas não me deixa tocá-la – exceto na cadeira de rodas – e não sei como mudar esta situação.