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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Não venho dormindo bem, acordando cedo demais, quase de madrugada, e em algumas manhãs fico no quarto esperando Silvia se levantar, noutras não aguento a escuridão e vou engatinhando para a sala. Hoje, ao sair do quarto fui abrir as cortinas da varanda e fiquei uns 20 minutos olhando a paisagem, em especial prédios distantes refletindo a luz do sol que tinha acabado de nascer. Depois fui me deitar no sofá, o qual estava cheio de coisas, ao arrumá-lo me deparei com o kit de leitura dela – seu óculos, um dos livros que está lendo e uma caneta para anotações – e sorri ao ser tomado por uma sensação de amor e carinho; lembrei de um dos motivos pelos quais a amo tanto.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Resolvi abrir uma conta digital para deixar de pagar tarifas bancárias. Gostaria de ficar no Itaú, mas a Iti é só uma conta de pagamento e, como queria outro banco sólido, optei pela Next, do Bradesco. No início do ano, testei alguns bancos exclusivamente digitais para abrir uma conta em nome da empresa individual pela qual recebo o patrocínio deste blog e, por essa experiência, esperava que a abertura da Next requeresse no máximo uma foto do rosto, mas exige um vídeo e diz que pessoa deve falar que quer uma conta, o que é impossível para mim e me chateou muito. Em seguida, pensei em imprimir numa folha de papel que não posso falar porque tenho paralisia cerebral para exibi-la enquanto Silvia fazia o vídeo no seu celular, mas haveria o risco deste ser habilitado em vez do meu tablet – e, nessa etapa, a tela tinha o contorno de um rosto, me levando a crer que o papel não apareceria. Contatei o banco, uma atendente também sugeriu o papel, dizendo que ele iria aparecer, fiz o vídeo usando o Livox que ainda está instalado num tablet antigo agora utilizado por Clara e estou aguardando o resultado. Acho que o app da Next deveria alterar as instruções no processo de abertura de uma conta, de modo a facilitar a vida de quem tem alguma deficiência – surdez, paralisia cerebral, etc – que dificulta a fala.
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Hoje Clara faz 4 anos e, nos dias anteriores, isso desencadeou várias lembranças. Talvez tenhamos a gerado exatamente no mesmo dia em que dei uma aliança a Silvia, que para esta ficou como o do nosso "casamento" – é impossível ter certeza, pois a ultrassonografia tem uma margem de erro de duas semanas. Silvia tirou onda que a engravidei na nossa "noite de núpcias". De qualquer forma, foi um momento de amor intenso.
Na noite do nascimento de Clara, eu estava completamente apavorado, pensando em mil coisas que poderiam dar errado: um acidente de parto que talvez matasse Silvia e/ou deixasse Clara com uma lesão cerebral - a hipoglicemia com que nasceu realmente poderia ter esse efeito –, que eu seria inútil como pai, que nosso relacionamento acabaria, etc.
Agora, me desmancho tanto com Clara que, ao vê-la montada em mim brincando de cavalinho – o que implica carregar uns 16kg nas costas e o risco de dar uma queda nela –, ontem Silvia disse que um dia ela ia me amarrar a uma cadeira e dançar em volta.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Há pouco, tive vontade de urinar num momento em que comprava frutas ao mesmo tempo que Clara me chamava para brincar, o que me fez demorar muito para ir ao banheiro e, como qualquer tensão, isso aumentou minha descoordenação motora. Como às vezes preciso sair do banheiro para me vestir, também fechei a porta do quarto. Escorreguei no banheiro, meu pé parou na parede, o corpo se curvou para trás, o pescoço ficou na ponta do balcão, sentindo muita dor chamei Silvia, mas havia duas portas fechadas a impedindo de ouvir e consegui me levantar apoiando o descoordenado braço direito no vaso sanitário. Poderia ter me machucado seriamente, mas só fiquei com um incômodo no pescoço
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Tem gente que acredita que veio ao mundo com uma “missão” designada por Deus, espíritos, sei lá mais o que. Acho tal crença uma grande idiotice, da qual chego a zombar, e já vi várias pessoas numa situação difícil aumentando o próprio sofrimento por pensaram que tinham falhado em cumprir sua “missão”, que para mim era evidentemente auto atribuída. Se eu cresse nisso, diria que a minha é manter o equilíbrio dos que estão ao meu redor, pois há décadas sempre tem alguém – às vezes mais de uma pessoa – que preciso impedir de cometer atos insensatos.
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Recentemente assisti Extraordinário, sobre a entrada na escola de um menino com uma doença genética que deforma o rosto, adora Guerra nas Estrelas, queria ser astronauta e ir à Lua, características que fizeram me identificar com o protagonista. O que mais chamou minha atenção no filme foi abordar as repercussões a doença e seu tratamento nas vidas da mãe, da irmã e da melhor amiga desta – o pai é pouco mostrado. Isso fez reemergir meu sentimento de culpa por ter sugado tanto a energia da minha mãe, desviado a atenção que ela teria dado a meus irmãos noutras circunstâncias e prejudicado o casamento dos meus pais. Após a adolescência, passei a tentar, algumas vezes, faze-la dar mais atenção a eles. Lembro que, na psicoterapia que fiz na década de 1990, a psicóloga me disse que uma criança dificilmente pode ter consciência desses processos, muito menos responsabilidade e que cabia aos meus pais tentar resolver esses problemas, e desde então, sempre que tal sentimento vem à tona, repito raciocínios análogos, mas não consigo expiá-lo.
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Quem tem ataxia e atetóide (movimentos descoordenados e involuntários) causadas por uma lesão cerebral aprende, com a experiência, que fica menos difícil fazer algo se apoiar o membro que tem tais sequelas numa base fixa e ancorar bem o corpo. Nas últimas semanas, quando Clara está assistindo um vídeo no sofá muitas vezes paro e apoio neste o braço esquerdo – o menos rebelde – para acariciar suas pernas, até para ela perder o medo das minhas carícias. Ontem à noite, consegui botá-la para dormir assim pela segunda vez neste período. Acabar com esse medo tem sido um processo lento e complicado, que às vezes duvido que será bem-sucedido.
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Na tarde de ontem, Clara passou cerca de 90 minutos brincando comigo e, em certo momento, encontrou um papel bem adequado para quem tem paralisia cerebral – estátua de shopping center😄
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Logo após o nascimento de Clara, ao ler um post que expunha a grande dificuldade que tive para aceitar a paternidade, uma amiga que também tem paralisia cerebral me questionou se seria bom ela vir a ler textos como aquele e respondi que queria que soubesse a verdade sobre como me senti, mesmo que fosse incômoda. Voltei a pensar no assunto nesta semana e concluí que saber que eu não queria filhos, que quase entrei em depressão com a notícia da gravidez de Silvia e que, até o fim do seu primeiro semestre de vida, ainda lutava para aceitar ser pai pode é engrandecer meu amor por Clara aos seus olhos, ao humaniza-lo, mostrar os problemas que passei, que eu quis ama-la.
Quero muito que Clara leia este blog por esse e outros motivos, mas acho que ela só terá cabeça para compreender plenamente o que escrevo nele daqui a uns 18 anos e não posso saber como será a Internet então nem se estarei vivo. Pensando nessa incerteza, há seis dias, tentei não me angustiar lembrando que existem sites há 25 anos e blogs, há 20, e de qualquer forma já passei as senhas necessárias para Silvia. Este blog será meu legado mais importante a Clara, se sobreviver tanto tempo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Aos 2 anos, Clara tinha tanto espírito de independência que se propunha a ajudar sua irmã mais nova – que tem 5 anos a mais – a calçar uma meia ou enxugar-se após o banho, mas agora estava se negando a comer com a própria mão. Olhando em retrospectiva, tal regressão começou no ano passado, mas era lenta e fechei os olhos, fui omisso. Teve uma súbita aceleração no primeiro ataque de apneia – problema que acabou –, ocasião em que Silvia começou a dormir com ela, e depois com o fechamento dos colégios devido à pandemia de COVID-19, Nesse período, Silvia passou a permitir que Clara fosse imperativa demais com as irmãs, sem que eu tivesse a rapidez necessária para intervir nas brigas das meninas. Nos últimos meses, eu vinha advertindo Silvia quanto a esses problemas sem conseguir mudar a situação, nos vi numa dinâmica semelhante à que houve entre meus pais e minha irmã com deficiência – que terminou não conhecendo limites – e, na segunda, não aguentei mais: dormi muito mal, acordei às 5h, não suportei o quarto escuro, fui para a sala, Silvia foi atrás de mim e discutimos (sem brigar) toda a manhã até eu mandar mensagens no WhatsApp, o meio que uso para fazer narrativas. A partir daí, Silvia mudou a forma de tratar Clara.
Ontem à noite, Silvia teve muito trabalho com suas filhas, Clara se deitou sozinha no sofá, após o jantar fui para junto dela, percebendo que dormiria resolvi ir apagar a luz, momento em que ela falou “pai, fica aqui comigo”, depois “pai, faz carinho em mim” e adormeceu em minutos. Não lembro da última vez em que tinha a botado para dormir e tive uma grande alegria.