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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Recentemente assisti Extraordinário, sobre a entrada na escola de um menino com uma doença genética que deforma o rosto, adora Guerra nas Estrelas, queria ser astronauta e ir à Lua, características que fizeram me identificar com o protagonista. O que mais chamou minha atenção no filme foi abordar as repercussões a doença e seu tratamento nas vidas da mãe, da irmã e da melhor amiga desta – o pai é pouco mostrado. Isso fez reemergir meu sentimento de culpa por ter sugado tanto a energia da minha mãe, desviado a atenção que ela teria dado a meus irmãos noutras circunstâncias e prejudicado o casamento dos meus pais. Após a adolescência, passei a tentar, algumas vezes, faze-la dar mais atenção a eles. Lembro que, na psicoterapia que fiz na década de 1990, a psicóloga me disse que uma criança dificilmente pode ter consciência desses processos, muito menos responsabilidade e que cabia aos meus pais tentar resolver esses problemas, e desde então, sempre que tal sentimento vem à tona, repito raciocínios análogos, mas não consigo expiá-lo.
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Quem tem ataxia e atetóide (movimentos descoordenados e involuntários) causadas por uma lesão cerebral aprende, com a experiência, que fica menos difícil fazer algo se apoiar o membro que tem tais sequelas numa base fixa e ancorar bem o corpo. Nas últimas semanas, quando Clara está assistindo um vídeo no sofá muitas vezes paro e apoio neste o braço esquerdo – o menos rebelde – para acariciar suas pernas, até para ela perder o medo das minhas carícias. Ontem à noite, consegui botá-la para dormir assim pela segunda vez neste período. Acabar com esse medo tem sido um processo lento e complicado, que às vezes duvido que será bem-sucedido.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na tarde de ontem, Clara passou cerca de 90 minutos brincando comigo e, em certo momento, encontrou um papel bem adequado para quem tem paralisia cerebral – estátua de shopping center😄
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Logo após o nascimento de Clara, ao ler um post que expunha a grande dificuldade que tive para aceitar a paternidade, uma amiga que também tem paralisia cerebral me questionou se seria bom ela vir a ler textos como aquele e respondi que queria que soubesse a verdade sobre como me senti, mesmo que fosse incômoda. Voltei a pensar no assunto nesta semana e concluí que saber que eu não queria filhos, que quase entrei em depressão com a notícia da gravidez de Silvia e que, até o fim do seu primeiro semestre de vida, ainda lutava para aceitar ser pai pode é engrandecer meu amor por Clara aos seus olhos, ao humaniza-lo, mostrar os problemas que passei, que eu quis ama-la.
Quero muito que Clara leia este blog por esse e outros motivos, mas acho que ela só terá cabeça para compreender plenamente o que escrevo nele daqui a uns 18 anos e não posso saber como será a Internet então nem se estarei vivo. Pensando nessa incerteza, há seis dias, tentei não me angustiar lembrando que existem sites há 25 anos e blogs, há 20, e de qualquer forma já passei as senhas necessárias para Silvia. Este blog será meu legado mais importante a Clara, se sobreviver tanto tempo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Aos 2 anos, Clara tinha tanto espírito de independência que se propunha a ajudar sua irmã mais nova – que tem 5 anos a mais – a calçar uma meia ou enxugar-se após o banho, mas agora estava se negando a comer com a própria mão. Olhando em retrospectiva, tal regressão começou no ano passado, mas era lenta e fechei os olhos, fui omisso. Teve uma súbita aceleração no primeiro ataque de apneia – problema que acabou –, ocasião em que Silvia começou a dormir com ela, e depois com o fechamento dos colégios devido à pandemia de COVID-19, Nesse período, Silvia passou a permitir que Clara fosse imperativa demais com as irmãs, sem que eu tivesse a rapidez necessária para intervir nas brigas das meninas. Nos últimos meses, eu vinha advertindo Silvia quanto a esses problemas sem conseguir mudar a situação, nos vi numa dinâmica semelhante à que houve entre meus pais e minha irmã com deficiência – que terminou não conhecendo limites – e, na segunda, não aguentei mais: dormi muito mal, acordei às 5h, não suportei o quarto escuro, fui para a sala, Silvia foi atrás de mim e discutimos (sem brigar) toda a manhã até eu mandar mensagens no WhatsApp, o meio que uso para fazer narrativas. A partir daí, Silvia mudou a forma de tratar Clara.
Ontem à noite, Silvia teve muito trabalho com suas filhas, Clara se deitou sozinha no sofá, após o jantar fui para junto dela, percebendo que dormiria resolvi ir apagar a luz, momento em que ela falou “pai, fica aqui comigo”, depois “pai, faz carinho em mim” e adormeceu em minutos. Não lembro da última vez em que tinha a botado para dormir e tive uma grande alegria.
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Clara é carinhosa, zela pelos pais, preocupa-se conosco, gosta de nos ajudar – é uma menina boa. Porém, nas brincadeiras gosta de ser personagens maus, uma vez Silvia perguntou qual tema ela queria para uma festa de aniversário e sua resposta foi ‘todas as vilãs”. Silvia se assusta com isso – não compreendo o motivo, já que Clara tem bondade –, enquanto me diverte, até porque ela me espelha nesse aspecto. Gostamos de (fingir) ser uma dupla do mal😀
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na segunda, uma irmã quis que eu ajudasse a convencer meu pai a se isolar mais por causa da COVID-19 e me repassou um áudio do meu irmão que dizia que nossa irmã que tem deficiência estava gripada, o que me fez pensar na hipótese de ser a COVID-19 e não adiantou muito ele dizer, mais tarde, que poderia ser só uma alergia. Essa irmã tem deficiência cognitiva severa, frequentes doenças respiratórias, pouquíssima capacidade de comunicação, não consegue informar o que sente e geralmente troca vírus com meus pais, que têm mais de 80 anos e saúde frágil. Em Recife, o sistema de saúde já está quase em colapso, tive medo que esses três morressem e passei o resto daquele dia me sentindo fisicamente mal. Só na quarta é que me tranquilizei, ao fazer uma chamada de vídeo com minha família e ver que todos estavam bem.
Venho tomando vinho após o jantar e, na quinta, ao faze-lo percebi que é um luxo, principalmente numa pandemia, com tanta gente sofrendo e morrendo. Isso fez me tocar do quanto minha situação é privilegiada, inclusive por morar num estado e numa cidade que, ao menos por enquanto, estão controlando bem a COVID-19; e se ainda vivesse em Recife, a essa altura meus nervos estariam à flor da pele mesmo se meus familiares continuassem com saúde.
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Na segunda após o jantar, ao ver Silvia e eu nos acariciando Clara perguntou algo como "o que vocês estão fazendo? Estão namorando? " e Silvia respondeu "papai é meu namorado". Isso deixou Clara toda amuada, triste, querendo chorar e pensei que está na fase do Complexo de Electra em que a menina deseja a mãe. Silvia se desdisse, Clara me perguntou "papai, você é meu namorado?" e, quando respondi que sim, fez a maior festa. No início do ano, já percebia que ela tinha entrado nesse complexo, mas fiquei desconcertado por ter se tornado tão explicito. Silvia quis que eu conversasse com uma das minhas amigas psicólogas a esse respeito, mas nenhuma deu muita importância, tampouco me preocupa – o problema seria se Clara estivesse dizendo que a mãe é sua namorada – e, ao contrário, para mim é sinal de que seu desenvolvimento psicológico está indo bem. Esperava ver Clara namorando só daqui a uns dez anos, mas acabei sendo seu primeiro “namorado” e virei meu próprio “sogro”
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na semana passada, um homem de Belém-PA que tem uma paralisia cerebral mais leve que a minha me procurou pelo Facebook pedindo ajuda para conseguir aceitar a própria deficiência e fiquei sem saber o que dizer – em geral, não sei como responder quando me colocam essas questões existenciais. Fui um menino chorão e tinha muita revolta contra minha condição. Acho que me cansei de chorar na adolescência, além do hábito da leitura desviar meu foco para outros assuntos, embora tenha continuado bastante negativo. Curiosamente, não lembro de tratar explicitamente da aceitação na psicoterapia que fiz nos anos 1990, a qual girou em torno da minha sexualidade, raiva das mulheres e problemas familiares. Creio que a aceitação chegou mais diretamente em consequência de ter conseguido trabalhar, feito um site que ficou conhecido nacionalmente, atraía mulheres, trouxe respeito na família e me permitiu namorar – indiretamente a psicoterapia influiu nisso tudo. Quem me conheceu após os 40 ou 45 anos deve me achar um exemplo a esse respeito.