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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Para converter texto em voz, o Livox usa um tipo de aplicativo chamado “motor de voz” e o que utilizo é o único em português que tem uma voz masculina. No fim de abril, houve uma atualização do Livox que o tornou incompatível com meu motor de voz, me obrigou a usar outro que só tem voz feminina e, após Silvia e nossa empregada a ouvirem, falei às duas “virei uma bicha louca” Relatei o problema ao seu desenvolvedor, que é meu amigo, e duas semanas ele lançou uma nova atualização que resolveu tal incompatibilidade, embora a voz masculina tenha ficado meio trêmula e mais grave – Silvia disse que tornou-se sensual. Então falei a elas “voltei a ser heterossexual”
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na manhã desta terça, enquanto Silvia levava sua filha mais velha para uma aula de reforço, me sentei no sofá, botei uma almofada no colo e automaticamente Clara se deitou neste, mostrando que já se habituou a faze-lo, o que me alegrou muito (a foto não é dessa ocasião). É uma trivialidade para a grande maioria dos pais, mas para um que tem paralisia cerebral nível 3 foi difícil, complicado – nesses anos, me frustrava, entristecia não conseguir. Ao conversar a esse respeito com Silvia, ela disse que Clara se deita mais no meu colo do que no dela – o que não é verdade – e que isso só vai durar até ela levar um tapão meu; parafraseando um conhecido ditado, ciúme mata😀
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na penúltima segunda, Silvia recebeu uma avaliação do colégio sobre Clara. A alfabetização está um pouco mais rápida que a média e – o que temos dificuldade de perceber – tem muito talento pra artes. Fala de mim frequentemente, com muito carinho e parece estar transmitindo aos colegas a naturalidade com que vê (há pouco tempo nem via) minha deficiência - isso me deu alguma esperança de que não sofra bullying por essa causa ou que tenha capacidade de enfrentá-lo. É muito alegre e carinhosa, características que fizeram a professora que deu a avaliação falar que Clara faz jus ao seu nome - é uma luz. Foi bom saber que estamos a educando bem.
Dois dias depois, o colégio ia promover um evento com os pais em comemoração à Páscoa bem na hora em que a primeira filha de Silvia chega da sua escola e eu ir implicava não haver alguém em casa para recebe-la. A solução que encontrei foi pedir a um amigo da família que viesse para cá para faze-lo. Na noite anterior, Silvia dormiu mal, ficou com enxaqueca e perguntei várias vezes se queria ir sozinha, mas esta resolveu me levar mesmo. Ao nos ver lá, Clara ficou eufórica, logo subiu no meu colo e foi difícil querer sair dele para fazer as atividades. Nesse horário – em torno das 18h – tornou-se difícil eu ir a esses eventos e ainda não sei como resolver isso, mas minha presença é realmente muito importante para Clara.
Silvia notou a ironia de eu nunca ter ido a um colégio e agora estar o fazendo como pai.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na última quinta, no colégio de Clara botaram uma sombra com glitter nos seus olhos que causou uma alergia e, na manhã seguinte, ficaram inchados – ela já tinha sido maquiada inúmeras vezes e foi a primeira que teve problema. Pensamos que não era grave, a mandamos à escola mas, no fim da tarde, a coordenadora ligou para Silvia dizendo que Clara queria voltar para casa antes do horário normal porque estava com algum mal-estar. Após Silvia sair para buscar sua segunda filha, botei uma almofada no meu colo na qual fiz Clara se deitar e dormir – fico derretido quando isso acontece. Na hora em que Silvia chegou, pedi para coloca-la na cama para eu poder jantar e Clara insistiu em continuar no meu colo, embora logo depois tenha se despertado com o movimento da casa. Já de madrugada, Silvia foi ver como Clara estava, se assustou porque as pálpebras incharam tanto que o olho direito não se abria e a levou imediatamente a um hospital, enquanto que, numa reação desproporcional – era mesmo só uma alergia –, pelo nervosismo, preocupação, frustração por não poder acompanha-las, etc, senti um aperto tão forte no peito que temi infartar. No sábado, Silvia me contou que, lá, Clara chorava dizendo “eu quero meu pai, eu quero meu pai...”.
Um dos temas mais recorrentes deste blog era que Clara tinha se afastado muito de mim devido à minha descoordenação motora – na verdade, foram pouquíssimas as ocasiões em que a machuquei, graças ao cuidado que tomo. Dado meu estilo de escrever objetivo e conciso, talvez os posts sobre o assunto não deixassem transparecer a desolação, a profunda tristeza que esse problema me dava, a ponto de pensar que poderia ser permanente. Ainda há uma tensão – que agrava minha descoordenação – nos momentos em que trocamos carinho e que não existia com outras crianças com quem convivi ao longo da vida, talvez porque tive de lidar com ela desde que era recém-nascida, algo que foi meio apavorante para mim. De qualquer forma, em grande parte foi resolvido, seu vínculo comigo tornou-se bem forte.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Decidi incluir nesse vídeo a filmagem na qual faço errado um exercício porque este blog tem como princípio mostrar não só meus êxitos, mas também meus insucessos, trapalhadas, minha falibilidade e, em última instância, a humanidade de quem tem paralisia cerebral.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Antes de se casar comigo, Silvia queria adotar uma criança achando que assim diminuiria o sofrimento que há no mundo, o tornaria melhor, o que visivelmente é um elemento de seu Complexo de Mulher Maravilha. Às vezes penso que querer um homem com paralisia cerebral severa seja outro desses elementos. Não posso afirmar isso porque ela estava tão mal, nos anos anteriores ao nosso casamento, que após um tempo de estarmos juntos concluiu que teria um infarto, AVC ou algo parecido se não tivesse me encontrado e que salvei sua vida – como a iniciativa do nosso relacionamento foi toda dela, acho essa ideia sem nexo, mas não consigo muda-la. Assim, não sei se ter casado comigo é parte daquele complexo, mas sua atração por mim – que começou em 2000, quando estava bem – provavelmente é.
Meses atrás, assistimos um vídeo que distingue o herói cristão ocidental – que luta, sacrifica-se por uma causa maior – do greco-romano, o qual ver o mundo como meio caótico, sem muito sentido, cheio de coisas terríveis, mas consegue encará-lo, viver com isso, e nos identificamos com esse segundo tipo. De vez em quando alguém me considera o Super Homem, o que sempre rejeitei – e Silvia insiste que sou. De fato, sentir-se atraída por homens fisicamente frágeis – especialmente se a fragilidade for uma deficiência – e que tenham humor, sejam capazes de rir, brincar é como desejar o próprio. Afinal o companheiro mais adequado para a Mulher Maravilha é o Super Homem
Mas, no fim das contas, Silvia desejava salvar um homem frágil e o mundo, ou procurava um Super Homem? Acho que ambas as coisas simultaneamente – essa dialética talvez valesse para outras mulheres que tive –, pois o ser humano é mesmo contraditório: outra característica do herói greco-romano é aspirar ser lembrado, notado, o que é um dos motivos para a existência deste blog mas, sempre que isso ocorre, fico querendo um buraco para me enfiar!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Um dos assuntos mais recorrentes deste blog era Clara recusar que eu a acariciasse – pode-se acompanhar como e porquê tal problema surgiu, se desenvolveu e declinou. Nesta semana, ela me pediu para a acaricia-la com frequência e até insistência, apesar de todos arranhões, trombadas, patadas que dei involuntariamente nela, além de ter perdido uma mecha inteira de cabelo. Obviamente, foi necessário anos de esforço e atenção para controlar minha descoordenação motora ao lidar com ela. Estou feliz por ter tido sucesso.
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