- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Dizer que “engatinho” em casa é força de expressão, pois o modo como me locomovo não se parece muito com o de um gato ou de um bebê e, quando quero rapidez, mais se assemelha ao de um sapo. Esse tipo de locomoção sempre me causou assaduras, feridas, tumores, etc nos joelhos, peito dos pés e na parte superior dos dedos das mãos, as quais não consigo manter espalmadas. Quando tais problemas atingem os pés e/ou joelhos, é possível me locomover sentado impulsionado pelas mãos mas, nas ocasiões em que estas se machucam, o jeito é aceitar andar com alguém ou aguentar a dor.
Sempre atribuí tal problema apenas à fricção com o chão. Na época em que ainda não queria sair de Curitiba, percebi que aconteceu pouco ou nada lá, o que estranhei bastante. Após considerar tipo de piso, uso de meias, calças, luvas, tapetes, tamanho do apartamento, etc, concluí que a causa adicional era o calor. Talvez este dilate os poros da pele ou facilite a ligação química desta com os objetos externos (é o grude que se sente no Nordeste) – não sei qual é a explicação científica. A hipótese se confirmou ainda em Curitiba, nas ondas de calor do último trimestre. Lá, pedi para Silvia procurar as luvas que eu tinha – não encontrou – e trazer uns tapetes que sempre detestei, para evitar ou reduzir o problema em Cabedelo. Após uns dias da nossa chegada aqui, minhas mãos se encheram de feridas – algumas até inflamaram -, especialmente a direita, a mais descoordenada, e em medida bem menor os pés. Para complicar, distendi três dedos dessa mão, que incharam. Comprei dois pares de luvas de ginásticas, cujo uso permitiu as feridas sararem momentaneamente, mas que começaram a rasgar com duas ou três semanas. Por sugestão de uma irmã, tentei usar dedeiras de silicone, mas também começaram a se estragar em pouco tempo, além de machucarem os dedos distendidos. Era uma situação que me deixava exasperado, desesperado. Então, pedi para Silvia botar os tapetes ao longo do percurso que mais faço durante o dia, resolvi “esquecer”, não dar mais atenção ao problema, a temperatura diminuiu um pouco e as feridas e a distensão acabaram.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nunca gostei do apartamento em que moramos por ser pequeno, me sentir apertado. Já Silvia o adora por minimizar o frio do inverno e está passando a fase mais feliz da sua vida nele – minha associação da felicidade é com Curitiba. Mas, por segurança, quer que as meninas namorem em casa em vez de precisarem sair para fazê-lo e simplesmente não há como terem privacidade aqui devido à pequenez do imóvel. Assim, decidimos trocar de apartamento.
À priori o novo deveria ser em Curitiba, mas não encontramos um que atendesse aos nossos requisitos e coubesse no orçamento. Em 2022, passamos um dia em João Pessoa e uma vizinha teve de se mudar para essa cidade, o que fez Silvia procurar imóveis lá, notando que os preços estavam bem menores e havia apartamentos imensos, e soubemos que é o destino de uma migração de classe média. Além disso, Silvia espera que adoeçamos menos lá, embora eu venha insistindo que há uma boa dose de ilusão nessa expectativa. E o custo de vida é bem menor. Por tais motivos, vamos morar num apartamento em Cabedelo, na região metropolitana de João Pessoa, 60% maior.
Este tem sido um processo tumultuado – houve dias em que todos da família brigaram entre si –, a começar pelo fato de inicialmente eu não queria sair de Curitiba. O que me fez mudar de ideia foi – além da vontade de mais espaço e reduzir muito nossas despesas – uma viagem que fizemos a João Pessoa em agosto (quando foi feito o vídeo) para ver os apartamentos, a qual mostrou que grande parte das minhas objeções à mudança era infundada. Ainda assim, os meses seguintes foram de muita tensão, a qual somatizei de modo descontrolado – não era porque não gritava, pouco expressava irritação ou raiva, etc, que não estava desequilibrado. Talvez o maior motivo desse desequilíbrio – que só acabou perto do Natal – tenha sido que fui o principal responsável pela engenharia financeira, incluindo planos de contingência para cenários pessimistas. Também me preocupa que Silvia sofra um esgotamento no período inicial, o que fez dois irmãos meus se comprometerem a irem a Cabedelo para nos ajudar. Silvia está toda animada e cheia de planos e eu, nem tanto, até por ver aspectos duvidosos nestes. Por outro lado, às vezes ela e as irmãs imaginam que podemos desgostar tanto de João Pessoa que vamos querer voltar a Curitiba, enquanto acho que não há risco de ser tão ruim assim.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Tenho o que li dois antropólogos chamarem de pessimismo alegre, que dizem ser típico dos índios. No meu caso, é uma combinação do “pessimismo da razão” – em qualquer momento acho que há uma probabilidade não desprezível de haver um desastre –, humor cearense que absorvi dos meus primos e uma grande facilidade de rir. De vez em quando, fico admirado por Clara ser bem alegre e brincalhona e acho que eu ser risonho a ensinou a ser assim.
Clara sempre teve dificuldade de me beijar no rosto, por não gostar de ser espetada por minha barba e ter levado algumas trombadas involuntárias de mim. Na última terça, num momento em que eu estava com raiva, irritado, ela superou tal barreira e passou o resto da noite me beijando, para minha felicidade. E já aprendeu o truque de, quando dou uma bronca, usar seus beijos para me amansar – que cara de pau!
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Venho chamando Clara para descer comigo durante as sessões de fisioterapia para tirá-la um pouco dos dispositivos eletrônicos. Na penúltima segunda, entrei com ela no colo na sala de pilates, na qual estava uma senhora que esperava uma amiga que mora no condomínio acabar a ginástica. Minutos depois, ao notar que eu olhava, cuidava de Clara essa senhora perguntou a minha fisioterapeuta se era seu irmão, o que me fez rir achando simultaneamente engraçado e ridículo – é comum pensarem que sou filho das minhas amigas e namoradas, mas irmão da minha filha foi a primeira vez! Acontece que, como mostra a foto, se isso ocorresse quando ela nasceu, seria até plausível pois eu parecia ter uns 20 anos (tinha 52), mas agora, sete anos depois, na melhor das hipóteses devo aparentar uns 40 anos e é improvável que uma mulher tivesse dois filhos com tanta diferença de idade. Após perceber mais uma manifestação da imagem infantil de quem tem PC, o aspecto cômico se dissipou e o ridículo, ficou ressaltado.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nunca mais Clara acordou Silvia durante a noite só para cobri-la e outras coisas desnecessárias. Agora ficou nítido que a razão para eu demorar tanto para resolver esse problema, além da minha incapacidade física de intervir intempestivamente, era que, no fundo, Silvia gostava dessa situação de dependência – algo bem comum em mães – apesar de prejudicar a ambas. Na verdade, Silvia já tinha apavorado Clara algumas vezes falando da própria morte, das quais a primeira foi involuntária – estava conversando com a segunda filha sobre o falecimento do ex-marido – e as posteriores, reproduzindo um comportamento da própria mãe, sem um propósito útil. Diferentemente, eu nunca tinha usado esse argumento – até por ser um dos meus próprios pesadelos –, foi um bom motivo, que Clara compreendeu perfeitamente, falei a verdade – a qualidade do sono influi na expectativa de vida – e, pelos comentários bem-humorados que depois fez sobre o episódio, esta não ficou com trauma algum. A maioria dos psicólogos que lerem o último post deve desaprovar o que fiz, mas crianças que às vezes não são confrontadas com seus medos tendem a se tornar adultos frágeis. Quando a suavidade não funciona, é preciso ser radical.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Quase toda noite Clara chama uma ou várias vezes Silvia apenas para cobri-la ou outras coisas desnecessárias, o que deixa esta mal durante o dia seguinte pela privação de sono. Já faz um ou dois anos que tento resolver a situação, usando o Livox para explicar a Clara como isso faz mal à sua mãe, prejudica a saúde desta, etc, e pedindo (inutilmente) para Silvia brigar com nossa filha no momento em que o problema ocorre (meu lento tempo de reação me impede de faze-lo), só obtendo um sucesso temporário. Nesta quinta, após passar mais um dia vendo Silvia sofrer pela falta de sono, decidi que se não ia por bem, ia por mal: sabendo que, desde que tinha um ano, Clara fica apavorada com qualquer ameaça à integridade física, à vida dos pais por mais distante que seja, digitei um texto para ser falado no Livox cuja última frase foi “se você não quiser que sua mãe morra logo, pare com isso”, a qual fez Clara se assustar, começar a chorar, ir dizer a Silvia que não queria que esta “virasse estrelinha”, etc. Silvia não gostou do que fiz, mas já faz duas noites que Clara toma todo o cuidado para preservar seu sono, embora seja cedo para saber se houve uma mudança permanente.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Embora Silvia faça muito, muitíssimos mais que eu, há algumas tarefas e atividades que podem ser feitas por nós dois. Entre estas estão compras em farmácias, frutarias e supermercados, sobre as quais vivemos num permanente cabo-de-guerra e até brigamos para assumi-las. Por outro lado, às vezes penso que um dos elementos de sua atração por homens com deficiência é evitar qualquer chance de dominação, de sofrer com o machismo – é só uma especulação. No início do nosso casamento, quando ainda não sabia direito até onde iam minhas limitações e num momento em que estávamos meio brigados – o motivo era a causa mais frequente de dissentimento entre casais (adivinhe...) – Silvia se irritou porque peguei um guardanapo para limpar minha boca – ato trivial até para mim – em vez pedir a ela e, para provoca-la e aumentar sua irritação, respondi “você queria um homem dependente e submisso” No último domingo à noite, ao comentar o filme homônimo Silvia falou “eu brincava de Barbie saindo, indo trabalhar, fazendo todo tipo de coisa enquanto o Ken ficava em casa, fazendo o supermercado ...”, fala que interrompi com uma reação invocada, de indignação, embora também de riso – na hora não me ocorreu nenhuma palavra à mente, mas poderia ser expressa como “então era para isso que você me queria?! Para ser dono de casa? Que sacanagem!😀
Para evitar mal entendido, só estou tirando onda, não há dominação ou submissão alguma no nosso relacionamento e continuarei teimando para assumir as referidas tarefas.
Apoie este blog pelo Pix
- Detalhes
- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ontem, enquanto estávamos voltando ao apartamento minha fisioterapeuta fez uma série de perguntas a Clara (no meu colo), cujas respostas podem ser resumidas como “vou cuidar de papai e mamãe, vou morar com eles para sempre e não vou me casar”. Fiquei incomodado porque é justamente o que não quero que ela faça, assim como Silvia. Procurei me tranquilizar lembrando que, meses atrás, os planos dela eram casar e ter dois filhos
Apoie este blog pelo Pix