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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na primeira reunião festiva que tivemos com os moradores do nosso condomínio, inicialmente só me ofereciam refrigerantes, os quais, aliás, costumo evitar devido a problemas gástricos. Para desmanchar ideias pré-estabelecidas sobre quem tem paralisia cerebral, pedi cerveja e Silvia emendou que gosto muito de quase todo tipo de bebida alcoólica, especialmente cachaça – não sei se foi uma boa ideia. Algumas reuniões depois, assim que me viam perguntavam logo se queria cachaça, o que na festa de carnaval do condomínio ensejou o seguinte diálogo (as palavras não foram exatamente estas):
– Já peguei a imagem de cachaceiro aqui também – eu disse meio constrangido.
– Pois é – Silvia respondeu.
– Mas também acho que já ganhei a simpatia de muita gente. Acho que sou fascinante para algumas pessoas.
– Por que você acha que me casei com você?
Não gosto de chamar atenção, prefiro passar despercebido. Assim, no penúltimo domingo fomos a uma festa junina num restaurante com um estilo do sertão nordestino, ao qual Silvia queria ir há meses, e fiquei surpreso com quantidade de pessoas que foram falar conosco, fazer alguma pergunta ou interagir de outro modo (como o dançarino que conduziu minha cadeira no meio da quadrilha, mostrado no segundo vídeo), além de me divertir com o espanto ao saberem que é minha esposa; tais abordagens também aconteciam em Curitiba e Recife, mas eram mais esporádicas, embora neste apresentaram um pico quando tive outra namorada bonita. Deve ser mesmo fascinante ver um homem com paralisia cerebral severa se divertindo num lugar público, alegre, dançando e acompanhado de uma linda mulher!
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Entre 20 a 30% das ruas da região metropolitana de João Pessoa tem rampa de acesso, muito mais do que Recife e Fortaleza, as outras capitais nordestinas que conheço, embora bem menos do que os 60% de Curitiba. Mas são bem irregulares: algumas ruas têm rampa de um lado e não de outro, e algumas rampas chegam ao nível da rua, como é o correto, e outras param antes, formando um batente que obriga o condutor de uma cadeira de rodas ao esforço de suspender as dianteiras – uma vez vi uma mãe levantar o carrinho do seu bebê ao não conseguir ultrapassar um batente (para lembrar que não é só cadeirantes que precisam de rampas). E há uma rampa para um mangue, em torno do qual não tem calcada! Por outro lado, a maioria dos estabelecimentos comerciais reserva vagas de estacionamento para pessoas com deficiência, mas, ao contrário de Curitiba, são muito raras nas ruas propriamente ditas – até agora vi apenas três.
A facilidade de andar de cadeira de rodas numa cidade também é função de sua topografia e dos materiais de que são feitas as calçadas: a topografia de Curitiba é bastante ondulada e a de João Pessoa, plana; lá as lajes das calçadas frequentemente emperram as rodas dianteiras e aqui, são lisas, embora haja muitas ruas com calçadas ausentes ou destruídas – nesses casos, precisamos ir para o meio da rua, com algum risco de atropelamento. Devido a esses dois fatores, acho mais fácil andar de cadeira de rodas em João Pessoa do que lá.
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No Nordeste, o calor é um sofrimento que faz o frio ser um sonho – e sonhos são irracionais! Clara e sua irmã mais velha – a qual raramente adoecia em Curitiba – vêm tendo sucessivas doenças respiratórias e de garganta porque ainda não aprenderam a utilizar direito o ar condicionado e tampouco seus colégios e outros estabelecimentos sabem usá-lo racionalmente, de modo a evitar riscos à saúde. Clara, Silvia e eu tivemos uma infecção estomacal cada e tive duas intestinais – achamos que foi por ainda não termos desenvolvido imunidade contra os micróbios locais. Na última, as duas também adoeceram e tive que optar por ficar sem atendimento médico para Silvia leva-las ao hospital.
Não temos mais empregada, Clara não está mais em período integral no colégio e fica demandando muito Silvia de manhã, o que a leva a acabar exausta quase todos os dias e, em duas ocasiões, a fez ficar acamada – assustado, venho me perguntando “se Silvia precisar ir a uma emergência hospitalar, quem vai leva-la? Se precisar de internação, quem vai a acompanhar? Quem vai cuidar das meninas e de mim?”. Sempre considerei sua expectativa de que o Nordeste nos fosse salutar uma ilusão, mas também não esperava que nossa saúde, especialmente a de Silvia, fosse piorar.
Como eu esperava e temia, o funcionamento do meu plano de saúde em João Pessoa é inferior ao de Curitiba, me tornando mais dependente de Silvia – o maior exemplo é que enquanto lá eu podia pegar a guia da fisioterapia (o atendimento que mais uso) pela Internet, sozinho, embora às vezes tivesse que fazê-lo pessoalmente, aqui isso só é feito presencialmente e tenho que sair de casa duas vezes para obter cada guia, o que implica trabalho e perda de tempo para ela. Outro exemplo de perda de independência é que, no ano passado, fiz amizade com um familiar de Silvia com quem saí muitas vezes sem ela – seu ciúme era uma diversão à parte – e, aqui, não tenho ninguém para tanto.
Pelo que foi dito neste e no último post – no qual me esforcei para não ser negativo –, estamos lutando para não considerar a mudança para Cabedelo um grande erro e às vezes Silvia até pensa em voltar para Curitiba. Apesar de adorar aquela cidade, estranhamente tal ideia ainda não me passou pela cabeça, talvez porque outra mudança será inviável por muitos anos – e fico chateado ao vê-la reclamar de problemas para os quais cansei de avisar e mesmo brigar. Nosso estado de espírito também está sendo afetado pelo surgimento ou agravamento de outros que nada têm a ver com a mudança, como o fim da vida útil do seu carro, a situação dos meus sogros, etc, e é difícil não misturar as coisas. De qualquer forma, a única opção que temos é minimizar ou resolver os problemas e procurar aproveitar o que esta região metropolitana tem de bom.
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O nosso apartamento de Cabedelo me dá uma sensação de amplidão que não tinha ao menos desde os 8 anos e a mobília e os eletrodomésticos que estavam nele são de ótima qualidade. O banheiro de casal tem uma plataforma que me permite tomar banho sentado, reduzindo o risco de queda. A portaria realmente se comunica por WharsApp, o que facilita as coisas para mim, e tem um porteiro que, fora do expediente, é um faz-tudo que resolve inúmeros problemas. Porém, o formato aproximado de um haltere faz com que as partes mais largas do prédio impeçam que o vento chegue aos apartamentos do centro, os tornando abafados, quentes demais, o que deve se agravar com o aquecimento global – nada que não se resolva com ventilador e ar condicionado. E é infestado de mosquitos, pela proximidade de terrenos baldios, o que solucionamos com emissores de ultrassom.
Este prédio fica a 180m da praia, para onde Silvia imaginava que iríamos todo fim de semana, o que eu via como uma ilusão, principalmente porque ela ainda não sabia o quão difícil é andar comigo na areia – minha expectativa era logo deixar de ir à praia. Para tentar evitar esse desfecho, comprei uma cadeira de rodas anfíbia, mas esta foi projetada mais para entrar no mar do que andar na areia e só ajuda em certas condições. Em janeiro, fomos à praia pela primeira vez desde que chegamos a Cabedelo, ao sair debaixo do guarda-sol para voltar para casa não passamos protetor solar e ficamos bem queimados – como esses incidentes aconteciam de vez em quando nas décadas em que morei em Recife e Olinda, pouco liguei, mas impactou bastante Silvia e nada adiantou que, na segunda vez, tenhamos nos saído melhor. Somado à logística complicada de ir à praia com 4 dependentes e às tarefas cotidianas, tais dificuldades fizeram Silvia passar a ir lá sozinha ou com alguma das meninas no começo ou fim do dia, com pouca frequência – pelos motivos (parcialmente) errados, acertei o resultado. Assim, em alguma medida para elas morar perto da praia está sendo bom, mas, para mim, tem sido irrelevante.
Ao ver que este prédio fica num canto meio isolado da região metropolitana, intuitivamente não gostei. Embora João Pessoa e Cabedelo sejam vizinhos, são mercados separados, o segundo tem preços sensivelmente maiores que Curitiba e a ideia de termos um menor custo de vida saiu pela culatra, uma das razões de termos ficado numa situação financeira difícil – a solução é fazermos compras em João Pessoa, mas muitas vezes é inviável. Ainda em Curitiba percebi que as fisioterapeutas que atendem a domicílio relutariam em vir aqui, pois passariam mais tempo no carro do que trabalhando comigo – enquanto em Curitiba uma profissional me atendeu durante todos os anos que morei lá e até se tornou minha amiga, aqui já estou na segunda, a qual me atende mais por gostar de pacientes neurológicos. Colocamos Clara e sua irmã mais nova numa escola que depois achamos pavorosa e cada percurso para o colégio para o qual agora queremos muda-las dura muito tempo, com todo estresse que vai decorrer daí. Não é uma boa localização para nós.
Minha mudança para Curitiba fui um ato de insanidade e um dos motivos foi não conhecer ninguém lá. Decidido a evitar que tal situação se repetisse, ainda lá comecei a falar com o pessoal do condomínio. Após nossa chegada, uma sub síndica – que veio morar no prédio na pandemia e cujo filho sofreu muito com o isolamento – organizou várias reuniões festivas entre nós e alguns moradores mais antigos e conseguimos nos entrosar bem. O melhor sinal disso é que acessar à piscina é complicado para mim, o que Silvia comentou rapidamente com o síndico e, na última reunião do condomínio, decidiram fazer uma rampa de acesso.
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Com pouco tempo em João Pessoa, percebi que, para boa parte, senão a grande maioria dos nordestinos o calor é um sofrimento e o frio, um sonho, tanto que os restaurantes, colégios, lojas, etc, colocam o ar condicionado em até 15ºC, o que inclusive é um fator de doenças respiratórias – foi assim que peguei um resfriado em janeiro. Não chego a gostar de frio – conheço alguns que gostam – e acho que o calor me incomoda mais, mas este não deixa de ter efeitos positivos.
Devido ao frio, em Curitiba costumávamos dormir com um lençol, um cobertor e uma coberta grossa e nunca aprendi direito a me virar na cama sem descobrir Silvia, do que ela frequentemente reclamava. Pelo mesmo motivo, se dormisse perto da janela acordava com um problema de garganta por causa do ar frio, o que me fez escolher o lado esquerdo da cama, com o risco de bater em Silvia com minha “mão assassina” (a direita) e a consequente tensão para controla-la. Como minha respiração é ruim, às vezes ronco e faço outros barulhos à noite. Por esses motivos, em Curitiba muitas vezes eu dormia no sofá-cama, na sala, para não atrapalhar o sono de Silvia, o que só não era permanente porque ela sentia minha falta. Aqui em Cabedelo, o clima quente faz com que eu sequer use lençol na maior parte do tempo, permitiu que dormisse no lado direito da cama, deixando livre e relaxada a respectiva mão – isso foi premeditado por mim –, e Silvia diz que os meus barulhos diminuíram bastante, de modo que ainda não precisei dormir fora do quarto e, sem todas aquelas roupas, até tive a impressão de nossa cama ficou maior.
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Dizer que “engatinho” em casa é força de expressão, pois o modo como me locomovo não se parece muito com o de um gato ou de um bebê e, quando quero rapidez, mais se assemelha ao de um sapo. Esse tipo de locomoção sempre me causou assaduras, feridas, tumores, etc nos joelhos, peito dos pés e na parte superior dos dedos das mãos, as quais não consigo manter espalmadas. Quando tais problemas atingem os pés e/ou joelhos, é possível me locomover sentado impulsionado pelas mãos mas, nas ocasiões em que estas se machucam, o jeito é aceitar andar com alguém ou aguentar a dor.
Sempre atribuí tal problema apenas à fricção com o chão. Na época em que ainda não queria sair de Curitiba, percebi que aconteceu pouco ou nada lá, o que estranhei bastante. Após considerar tipo de piso, uso de meias, calças, luvas, tapetes, tamanho do apartamento, etc, concluí que a causa adicional era o calor. Talvez este dilate os poros da pele ou facilite a ligação química desta com os objetos externos (é o grude que se sente no Nordeste) – não sei qual é a explicação científica. A hipótese se confirmou ainda em Curitiba, nas ondas de calor do último trimestre. Lá, pedi para Silvia procurar as luvas que eu tinha – não encontrou – e trazer uns tapetes que sempre detestei, para evitar ou reduzir o problema em Cabedelo. Após uns dias da nossa chegada aqui, minhas mãos se encheram de feridas – algumas até inflamaram -, especialmente a direita, a mais descoordenada, e em medida bem menor os pés. Para complicar, distendi três dedos dessa mão, que incharam. Comprei dois pares de luvas de ginásticas, cujo uso permitiu as feridas sararem momentaneamente, mas que começaram a rasgar com duas ou três semanas. Por sugestão de uma irmã, tentei usar dedeiras de silicone, mas também começaram a se estragar em pouco tempo, além de machucarem os dedos distendidos. Era uma situação que me deixava exasperado, desesperado. Então, pedi para Silvia botar os tapetes ao longo do percurso que mais faço durante o dia, resolvi “esquecer”, não dar mais atenção ao problema, a temperatura diminuiu um pouco e as feridas e a distensão acabaram.
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Nunca gostei do apartamento em que moramos por ser pequeno, me sentir apertado. Já Silvia o adora por minimizar o frio do inverno e está passando a fase mais feliz da sua vida nele – minha associação da felicidade é com Curitiba. Mas, por segurança, quer que as meninas namorem em casa em vez de precisarem sair para fazê-lo e simplesmente não há como terem privacidade aqui devido à pequenez do imóvel. Assim, decidimos trocar de apartamento.
À priori o novo deveria ser em Curitiba, mas não encontramos um que atendesse aos nossos requisitos e coubesse no orçamento. Em 2022, passamos um dia em João Pessoa e uma vizinha teve de se mudar para essa cidade, o que fez Silvia procurar imóveis lá, notando que os preços estavam bem menores e havia apartamentos imensos, e soubemos que é o destino de uma migração de classe média. Além disso, Silvia espera que adoeçamos menos lá, embora eu venha insistindo que há uma boa dose de ilusão nessa expectativa. E o custo de vida é bem menor. Por tais motivos, vamos morar num apartamento em Cabedelo, na região metropolitana de João Pessoa, 60% maior.
Este tem sido um processo tumultuado – houve dias em que todos da família brigaram entre si –, a começar pelo fato de inicialmente eu não queria sair de Curitiba. O que me fez mudar de ideia foi – além da vontade de mais espaço e reduzir muito nossas despesas – uma viagem que fizemos a João Pessoa em agosto (quando foi feito o vídeo) para ver os apartamentos, a qual mostrou que grande parte das minhas objeções à mudança era infundada. Ainda assim, os meses seguintes foram de muita tensão, a qual somatizei de modo descontrolado – não era porque não gritava, pouco expressava irritação ou raiva, etc, que não estava desequilibrado. Talvez o maior motivo desse desequilíbrio – que só acabou perto do Natal – tenha sido que fui o principal responsável pela engenharia financeira, incluindo planos de contingência para cenários pessimistas. Também me preocupa que Silvia sofra um esgotamento no período inicial, o que fez dois irmãos meus se comprometerem a irem a Cabedelo para nos ajudar. Silvia está toda animada e cheia de planos e eu, nem tanto, até por ver aspectos duvidosos nestes. Por outro lado, às vezes ela e as irmãs imaginam que podemos desgostar tanto de João Pessoa que vamos querer voltar a Curitiba, enquanto acho que não há risco de ser tão ruim assim.
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Tenho o que li dois antropólogos chamarem de pessimismo alegre, que dizem ser típico dos índios. No meu caso, é uma combinação do “pessimismo da razão” – em qualquer momento acho que há uma probabilidade não desprezível de haver um desastre –, humor cearense que absorvi dos meus primos e uma grande facilidade de rir. De vez em quando, fico admirado por Clara ser bem alegre e brincalhona e acho que eu ser risonho a ensinou a ser assim.
Clara sempre teve dificuldade de me beijar no rosto, por não gostar de ser espetada por minha barba e ter levado algumas trombadas involuntárias de mim. Na última terça, num momento em que eu estava com raiva, irritado, ela superou tal barreira e passou o resto da noite me beijando, para minha felicidade. E já aprendeu o truque de, quando dou uma bronca, usar seus beijos para me amansar – que cara de pau!
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Venho chamando Clara para descer comigo durante as sessões de fisioterapia para tirá-la um pouco dos dispositivos eletrônicos. Na penúltima segunda, entrei com ela no colo na sala de pilates, na qual estava uma senhora que esperava uma amiga que mora no condomínio acabar a ginástica. Minutos depois, ao notar que eu olhava, cuidava de Clara essa senhora perguntou a minha fisioterapeuta se era seu irmão, o que me fez rir achando simultaneamente engraçado e ridículo – é comum pensarem que sou filho das minhas amigas e namoradas, mas irmão da minha filha foi a primeira vez! Acontece que, como mostra a foto, se isso ocorresse quando ela nasceu, seria até plausível pois eu parecia ter uns 20 anos (tinha 52), mas agora, sete anos depois, na melhor das hipóteses devo aparentar uns 40 anos e é improvável que uma mulher tivesse dois filhos com tanta diferença de idade. Após perceber mais uma manifestação da imagem infantil de quem tem PC, o aspecto cômico se dissipou e o ridículo, ficou ressaltado.
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Nunca mais Clara acordou Silvia durante a noite só para cobri-la e outras coisas desnecessárias. Agora ficou nítido que a razão para eu demorar tanto para resolver esse problema, além da minha incapacidade física de intervir intempestivamente, era que, no fundo, Silvia gostava dessa situação de dependência – algo bem comum em mães – apesar de prejudicar a ambas. Na verdade, Silvia já tinha apavorado Clara algumas vezes falando da própria morte, das quais a primeira foi involuntária – estava conversando com a segunda filha sobre o falecimento do ex-marido – e as posteriores, reproduzindo um comportamento da própria mãe, sem um propósito útil. Diferentemente, eu nunca tinha usado esse argumento – até por ser um dos meus próprios pesadelos –, foi um bom motivo, que Clara compreendeu perfeitamente, falei a verdade – a qualidade do sono influi na expectativa de vida – e, pelos comentários bem-humorados que depois fez sobre o episódio, esta não ficou com trauma algum. A maioria dos psicólogos que lerem o último post deve desaprovar o que fiz, mas crianças que às vezes não são confrontadas com seus medos tendem a se tornar adultos frágeis. Quando a suavidade não funciona, é preciso ser radical.
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