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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Passei boa parte da vida ouvindo minha mãe reclamar que meu pai só dava de presente coisas para cozinha – a qual aquela odiava – e ele demorou décadas para se sensibilizar a esse respeito. Muito antes de conhecer Silvia, aquilo me fez resolver que nunca presentearia uma namorada, esposa, qualquer mulher que fosse com um utensílio de cozinha. Nesta semana foi seu aniversário, ela cismou de querer uma frigideira de aço inox de presente, fiquei me enrolando, relutando, e comprei apenas quando ela própria ia faze-lo. Em seguida, ela começou a tirar onda de que sou machista, que botaria uma foto da frigideira no Instagram, etc – apesar de saber que era brincadeira, não consegui levar na esportiva. Silvia adora me sacanear 😀😛
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Por mais descoordenação motora que alguém com paralisia cerebral tenha, há atos que é melhor fazer por si próprio do que com ajuda dos outros. Um exemplo é subir numa rede, algo muito comum no Nordeste: quando o faço sozinho não tem risco algum, mas se outra pessoa ajuda há o perigo de eu cair para trás e bater a cabeça no chão. E se recusar o auxílio, fico parecendo chato, orgulhoso em excesso, etc.
Uma extensão disso é fazer em meu lugar tarefas para as quais tenho coordenação suficiente para assumir com facilidade. De vez em quando Silvia tem tal atitude, porque me ver as desempenhando fere seu complexo de Mulher Maravilha, ou toma como uma crítica implícita ou só para me provocar. Nunca me queixei a esse respeito mas, semanas atrás, quando eu estava guardando bonecos de pano ou pelúcia das meninas ela se adiantou, terminou de faze-lo, me irritei – embora mais porque a situação de fundo já era tensa – e reclamei.
É cada vez mais frequente Silvia pedir, falar, ordenar algo às meninas e estas só atenderem, obedecerem se o faço – ora isso me irrita porque é um desrespeito à mãe, ora me desconcerta tanto que rio. A própria Silvia, quando a empregada avisa que a comida está pronta, às vezes só se levanta para almoçar quando a chamo. Essa questão de ser autoridade na família é um tema recorrente deste blog porque, dada minha dependência física e econômica, dava como certo que não a teria. E tal papel ainda vai contra minha natureza, muitas vezes fico enrolando, me furtando a exerce-lo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Curitiba é a capital estadual mais fria do Brasil, no inverno quem não pode calçar um sapato usa meia para aquecer os pés e, para isso não me impedir de utilizar o tablet, a corto no dedão. Quando desço para fazer fisioterapia e encontro vizinhos, fico escondendo o pé direito para não pensarem que estou com uma meia “furada” – mas ela está nesse vídeo 😉
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Uma das situações mais chatas, constrangedoras para quem tem deficiência é brigar, ficar com raiva, não querer nem ver a pessoa que está no papel de cuidador e precisar que esta o alimente, vista, etc; não estou brigado com Silvia, mas eventualmente isso acontece, assim como ocorria com meus pais, irmãos, amigos, empregadas que cuidavam de mim em Recife. Reciprocamente, cuidar de alguém de quem se está com raiva é bem difícil – ninguém torna-se santo ou vítima só por ter uma deficiência.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Perdi minha principal fonte de renda em maio. Como tentativa de compensar tal perda, há um mês criei uma chave Pix –
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Uma semana e meia antes do Dia dos Pais, Silvia mandou Clara me perguntar o que queria de presente, falei algo como “ibo” achando que ela não compreenderia que pretendia dizer “livro”, pois nunca tinha tentado pronunciar esta palavra para Clara mas, para minha surpresa, entendeu perfeitamente. Horas depois comentei isso com Silvia, que respondeu “claro, ela passou a vida toda com você”.
Ultimamente, de vez em quando Clara pega uma caneta e papel para fazer operações de adição, lúdica e espontaneamente. Seu colégio conseguiu a raridade de fazer uma criança de 6 anos gostar de matemática – e/ou ela herdou tal gosto de mim Seja como for, tenho orgulho desse comportamento.
Na penúltima semana houve um dia em que, por causa do trabalho, Silvia ficou sem tempo de aprontar as meninas para irem ao colégio e, pela primeira vez, Clara o fez sozinha. No dia seguinte, depois de dar o uniforme da irmã de 11 anos – o que achei fantástico –, Clara estava para se vestir sozinha novamente quando Silvia chegou ao quarto e o fez por ela. Esse episódio poderia ficar sem ser notado entre a miríade do cotidiano, mas me deixou inconformado e, horas depois, enviei uma mensagem pelo WhatsApp pedindo para Silvia permitir, estimular a independência de Clara. Depois lembrei das milhares de vezes que meu pai disse algo semelhante à minha mãe a meu respeito: a curto prazo, o que ele falava pareceu cair no vazio mas, em décadas, seus conselhos penetraram profundamente em mim, embora eu ache que esta não goste muito do resultado Espero ter o mesmo sucesso com Clara. Meu empenho em desenvolver sua independência sendo eu mesmo física e economicamente dependente faz me sentir numa situação paradoxal.
Na última quinta à tarde, fui a uma aula aberta de educação física na escola de Clara comemorativa ao Dia dos Pais. Como sempre, minha presença a tornou a criança mais alegre da ocasião, eufórica e exibida. Vi Silvia dizer, com ciúme, a outra mãe que Clara não fica assim nos eventos do Dia das Mães e outras ocasiões em que não vou lá. Pensei que Silvia estivesse brincando, pois Clara é bem mais ligada a esta, mas depois reafirmou o que disse. Talvez seja por ser raro eu ir lá ou porque Clara tenha muito orgulho de mim – mas não tenho boa explicação para essa diferença.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Desde a infância, Silvia sonhava em ir a uma Bienal do Livro e resolvemos que seria a deste ano em São Paulo deixando, embora com medo e preocupação, as meninas com nossa empregada – no fim, os problemas com estas foram poucos e pequenos. Essa bienal teve bem menos palestras, lançamentos de livros, presença de escritores, etc, do que esperávamos e estavam concentrados no fim de semana, enquanto estivemos em São Paulo entre terça e sexta. Assim, após uma tarde e uma manhã na Bienal perdemos o interesse e decidimos ir a outros lugares – MASP, Pinacoteca, Av. Paulista (na qual eu quis em andar para sentir o pulso da cidade), Livraria Cultura e o Bairro da Liberdade.
Desde que percebi que o Brasil é heterogêneo em acessibilidade e no trato de pessoas com deficiência, sempre que chego a uma cidade que não conheço fico observando a proporção das ruas com rampa de acesso e piso de guia para cegos e o modo como os habitantes me tratam e falam comigo. Para minha surpresa, a maioria das ruas paulistanas é acessível, com a vantagem das calçadas serem relativamente lisas, enquanto boa parte das de Curitiba é revestida com pedras que geram muita fricção e até emperram as rodas dianteiras de uma cadeira. Por outro lado, assim que entrei na Bienal percebi que os paulistanos são muito solidários e respeitosos com quem tem deficiência – inicialmente Silvia discordou disso mas, horas depois, mudou de ideia quando uma atendente de lanchonete levou a comida até a nossa mesa em vez de seguir o procedimento padrão de deixa-la no balcão; no Bairro da Liberdade me espantei com a frequência da pergunta “quer ajuda?”. O único momento difícil foi quando Silvia sofreu para empurrar acima minha cadeira numa rua bastante inclinada – a sorte foi ela estar fazendo ginástica! Mas não moraríamos lá.
Aproveitei tal viagem para conhecer pessoalmente uma amiga virtual que tenho há 24 anos, com quem perdi contato várias vezes e que foi moderadora da Lista Vital, o primeiro grupo de discussão sobre deficiência do Brasil, na qual Silvia e eu nos conhecemos. Foi uma alegria, assim como ter passado três dias sozinho com minha linda e maravilhosa esposa, com quem estou fazendo 7 anos de casamento.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nesta manhã, quis levar Clara à sessão de fisioterapia para ela não pressionar pelo seu tablet – cujo uso passamos a limitar –, tirá-la de casa e porque eu e a profissional que me atende gostamos mesmo disso. Ao entrar no elevador, lembrei ironicamente que, há dez anos, mal suportava estar com uma criança, e hoje faço questão de ficar com minha filha.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Para quem tem paralisia cerebral com espasticidade e ataxia, é difícil dissociar os movimentos de uma parte do corpo dos de outra ou imobilizar uma se necessário. Por essa causa, quando saio a máscara fica saindo da posição correta, precisando pedir constantemente a quem está comigo para ajeitá-la e, nesses anos de pandemia, pensava que, se fosse a locais fechados e lotados (aviões, shows, teatros, etc), deveria usar um protetor de rosto (face sheet) por cima daquela. No dia 21, fomos ao show de Lulu Santos no Teatro Guaíra, embora ciente que os casos de COVID-19 estavam aumentando não providenciei tal protetor, me limitando a usar duas máscaras cirúrgicas, as quais, após a música começar, saíram do rosto duas vezes em poucos minutos, o que me fez achar que era inútil usá-las e as retirei – também poderia ter resolvido ver o show passivamente para mantê-las no lugar. Peguei COVID-19.
Na última segunda, tive uma leve inflamação na garganta e febre alta. No dia seguinte, acordei com um início de gastrite e horas depois Silvia disse que meu rosto estava amarelo, o que me fez tomar providências no interesse de Clara para o caso de eu morrer; à tarde, consultei um médico, que disse que os últimos sintomas eram efeitos colaterais do ibuprofeno que tinha tomado como antitérmico. E foi só, fiquei mal apenas por 36 horas, a doença foi leve em mim e Silvia tem alardeado que minha saúde é ótima – não sei se é este o caso. Porém, contagiei Clara e Silvia, fiz as meninas ficarem duas semanas sem colégio, esta acumulou o trabalho doméstico – pois a empregada não está vindo – com o profissional, perdermos uma viagem a São Paulo, etc. Foi a maior estupidez (para não usar um palavrão) que fiz nos últimos anos
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