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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Há duas semanas, Clara vomitou muito três vezes num dia, Silvia a levou a um hospital pediátrico, após um extenso exame a médica concluiu que não era grave e que devia ter sido algo que comeu. Ficamos com medo que, à noite, Clara vomitasse no berço e se afogasse. Silvia quis logo passar a noite acordada para prevenir isso, mas a fiz concordar em me despertar após a primeira mamada noturna e que aquela dormiria no carrinho, cujo encosto é inclinado, evitando o risco de afogamento. Porém, Silvia descumpriu esse acerto, passou a noite desperta cuidando da nossa filha até, pouco antes das 5h, me levantar cambaleando de sono e a assumir. Reclamei por dois dias e Silvia inclusive notou que, enquanto muitos casais brigam porque o marido se nega a ajudar a esposa à noite, estávamos discutindo pelo motivo oposto. Desde então, ela está me entregando Clara todos os dias no início da manhã ou de madrugada, mesmo que tenha de me acordar.
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Na primeira vez que me sentei com Clara no chão, como mostrado no vídeo, pensei “que medo da porra!”, temendo que ela caísse para os lados e batesse a cabeça, e ri de mim mesmo. De fato, como digo frequentemente neste blog, o medo tem sido um companheiro constante desde o início do meu relacionamento com Silvia e provavelmente quem tem paralisia cerebral o sente muito mais do que as pessoas sem deficiência, pela maior vulnerabilidade, limitações físicas, superproteção da família, etc. Acho que se deve tentar eliminá-lo, pois é o que nos leva a tomar as precauções possíveis, apenas não se pode ser paralisado por ele.
Recentemente, Silvia me contou o caso de uma mãe sem deficiência alguma que nunca conseguiu ficar sozinha em casa com seu bebê apenas por medo, o que achei desconcertante porque o faço corriqueiramente e, quando há algum problema, tento resolver antes de pedir ajuda aqui ela. Foi o que ocorreu ontem: Silvia teve de buscar suas filhas no apartamento do ex-marido me deixando sozinho com Clara no tapete de EVA, esta se virou de bruços, vomitou, fui engatinhando apressado até o quarto, peguei uma fralda com a qual limpei o vômito, a mão e a boca desta; em seguida, Clara começou a chorar por estar cansada da posição e não saber se desvirar, tive de fazer isso – algo difícil para mim – colocando um pequeno travesseiro para proteger sua cabeça; quando Silvia chegou, Clara estava alegre e brincando!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Minha maior preocupação é Silvia sofrer uma estafa por ter de cuidar de quatro dependentes e, como todo bebê, às vezes Clara dorme pouco ou nada à noite, fazendo tal risco aumentar perigosamente, razão pela qual venho insistindo há mais de um mês para nos revezarmos nessas noites. Não posso alimentar Clara nem trocar suas fraldas, mas tenho mais capacidade de faze-la dormir. Silvia tem o que chamo de Complexo de Mulher Maravilha, sempre com a atitude de “deixa que resolvo tudo para todo mundo” – pode haver um padrão aí, pois várias outras mulheres que se relacionaram fortemente comigo, como namoradas ou grandes amigas, apresentavam sinais desse complexo – e resiste muito a permitir tal revezamento noturno. Ainda assim, houve algum progresso desde o fim do ano passado, com Silvia me passando Clara entre 5h e 7h quando dorme mal à noite.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nesta tarde, Silvia saiu, me sentei no chão para cuidar de Clara, que estava numa cadeira de balanço, e recebi pelo WhatsApp perguntas de uma prima que tinham de ser respondidas imediatamente. Não quis subir na cadeira adaptada na qual uso o computador porque Clara ia chorar, pensei em pedir que tal prima fizesse as perguntas a Silvia mas, em vez disso, as respondi ali mesmo sentado no chão e usando o tablet com o pé. Fiquei imaginando quantas pessoas sem deficiência teriam habilidade para fazer o mesmo.
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Na última sessão de fisioterapia do ano, a profissional que me atende inventou de me treinar para pegar Clara de novas formas. Não se iluda com meu sorriso, estava morrendo de medo de machucá-la.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ao embalar Clara no carrinho em vários horários no dia, faço com o braço esquerdo, centenas de vezes, um movimento semelhante ao de um remador, frequentemente sem poder parar sob pena de ela não dormir ou acordar, mesmo quando estou morrendo de sede ou precisando ir ao banheiro com urgência, e já noto diferença de musculatura entre os dois braços – no direito, a coordenação motora não é suficiente para a tarefa. Por isso, hoje me senti um escravo de galé maneta
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Neste blog, tento mostrar que uma paralisia cerebral severa não é o fim do mundo, não impede necessariamente quem a tem de rir, ter humor, alegria de viver, namoros, filhos e até saltar de paraquedas. Alguém que consegue essas e outras coisas não vira um super-homem, vencedor, herói, melhor que os outros em algum sentido. Por esse motivo, também escrevo sobre as dores físicas, problemas, dificuldades e preconceitos que a PC me causa. Fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia e outros tratamentos melhoram substancialmente a condição de quem os faz, mas cedo ou tarde atingem um limite a partir do qual passam a ter a função de evitar regressão, não fazem a PC desaparecer – muito menos a “curam” e falar como se fosse uma doença é uma grande ofensa às pessoas nessa condição. Não se supera, não se vence a PC, que fará parte da pessoa durante toda a vida e o que se pode fazer é conviver com ela do melhor modo possível.
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Na semana passada, fomos dar uma olhada no Natal do Paço da Liberdade sem pretender assistir todo o espetáculo. A organização do evento não se limitou a reservar um espaço privilegiado, na frente do Paço, para pessoas com deficiência, mas também colocou um funcionário para circular pela área circundante para procurar, informar e ajudar tais pessoas – foi a primeira vez que vimos esse tipo de providência. Decidimos ficar até o fim do espetáculo. O carro de Silvia ficou a uns 700m do Paço, no caminho de volta cruzamos com um grupo gritando em uníssono, ficamos preocupados – pensei que era uma torcida organizada e Silvia, uma gangue –, mas nos tranquilizamos ao ver que o grito era “Jesus! Jesus! Jesus!”, comecei a rir e ela ficou contente porque imaginou que eu estivesse apreciando aquela manifestação religiosa – de fato, gostei de seu caráter diferente. Dois dias depois, expliquei que ri porque tive vontade de gritar “Satanás! Satanás! Satanás!”. Ao contar isso a nossa empregada, Silvia disse que ter um marido que não pode falar tem suas vantagens!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
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Em geral, a paralisia cerebral causa deformações ósseas e distorce as expressões faciais, tornando muito difícil a quem a tem se encaixar em algum critério de beleza. Ainda assim, algumas pessoas com PC preservam sua beleza senão no corpo, ao menos no rosto, mas o preconceito de que isso é impossível é tão forte que acabam o introjetando a ponto de não crerem no que veem no espelho. Ao longo da minha vida, às vezes alguém me achava bonito e eu nunca acreditava; quando recebia uma sugestão para melhorar minha aparência, em geral dava de ombros pensando algo como “besteira, sou feio mesmo e nada que possa fazer vai mudar isso”– na prática, tomava uns poucos cuidados com a aparência; e, em certa fase, ficava escrachando minha aparência diante do espelho.
Todo mundo considera Clara linda e, sobretudo após recuperar uma foto de quando eu tinha uns sete meses nos braços da minha mãe, muito parecida comigo. Quando postei no Facebook uma foto de Silvia com Clara nos braços, ninguém menos que minha melhor amiga falou como se a beleza desta fosse uma herança exclusivamente materna e, naquela primeira foto, como se os genes da beleza – nem sei se existem – tivessem sido transmitidos diretamente da minha mãe para nossa filha, sem passar por mim!
Ao discutirmos essa questão meses atrás, me surpreendi com Silvia dizendo “se não lhe achasse um gatinho eu não estaria com você” – ela deve ter dito que me acha bonito muitas vezes antes, mas como também falava que não procurava beleza nos homens, tais elogios passaram despercebidos. Há algumas semanas voltamos à questão e ela lembrou que suas filhas também me acham bonito e que crianças não mentem a esse respeito. Se Clara é linda, é porque ambos pais – embora especialmente Silvia – são bonitos.