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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
É fácil mentir na Internet e não o faço neste blog, no sentido de que o que posto é o que penso ser a verdade (conceito bem complicado em filosofia e ciência) e meus posts frequentemente têm termos como "acho"¸ "provavelmente" e "creio", que implicam dúvida, consciência de que posso estar errado. Não pinto um quadro róseo nem negro da minha vida, da paralisia cerebral e de quem a tem, pois o objetivo dele é nos mostrar como humanos, com todas as ambiguidades desta condição. Recuso-me a dizer que somos superiores, especiais ou coitados. Não há xingamentos, palavrões – o único que digitei foi para transcrever como me senti numa ocasião – e correlatos, como ficou comum na Internet. Erros de português são inadmissíveis, digito primeiro num editor de texto para evita-los e só então publico – Silvia acaba sendo minha revisora e, quando detecta um erro, imediatamente o corrijo. O blog também visa reduzir o preconceito e a discriminação contra as pessoas com PC, portanto promove a tolerância, o respeito aos outros e a redução das desigualdades – assim, embora em princípio seja apolítico, está na contramão do tipo de política e ideologias que hoje prevalece.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Usar uma prancha alfanumérica para me comunicar implica em várias limitações, pois algumas pessoas têm dificuldade de entender o que digo dessa forma, por pouca escolarização, falta de hábito, habilidade, vontade, estar com raiva de mim – às vezes, tenho de brigar com Silvia pelo WhatsApp mesmo estando no mesmo lugar –, etc, além de ser difícil conversar com dois ou mais interlocutores ao mesmo tempo. Assim, no início da década passei a querer trocá-la por um tablet com um sintetizador de voz.
Em 2012, encontrei o Livox, cujo desenvolvedor é de Recife – hoje mora nos EUA – e já conhecia meu site por ter uma filha com PC, e comprei um tablet de 10”, o maior disponível então. Porém, com esse tamanho de tela e meu grau descoordenação motora, só era vantajoso usá-lo para me comunicar com gente que não me conhecia. Dois anos depois, adquiri um tablet de 12.2” e instalei um aplicativo de teclado que ocupa uma parte maior da tela, o que não eliminou a dificuldade de uso, mas me permitiu conversar com as filhas de Silvia, falar com ela enquanto está fazendo outra coisa e agora com Clara. Como o Livox será o principal meio para conversar com esta nos próximos anos, estou cogitando comprar um tablet de 18” que descobri há pouco para finalmente substituir a prancha, embora relute por ser um gasto demais para meu bolso.
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Sou o único paciente da minha fisioterapeuta com quem ela brinca – isso é comum nos profissionais que me atendem, sobretudo pelo meu bom humor – e, agora, criou o hábito de usar Clara como instrumento de trabalho.
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Minha deglutição é difícil, sempre me engasgo nas refeições, em geral levemente, mas às vezes demoro mais para me recobrar. Há duas semanas, após me ver tossir por uns dois minutos Clara começou a simular uma tosse olhando para mim e, alguns dias depois, fez o mesmo ao me ver chegar em casa para chamar atenção, o que então passou a repetir. É a primeira forma de ela se comunicar especificamente comigo!
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Hoje, voltei a fazer fisioterapia. Silvia teve insônia nesta noite, a mandei dormir deixando Clara comigo e a profissional que me atende quis que eu fizesse exercícios com esta.
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Há duas semanas, Clara vomitou muito três vezes num dia, Silvia a levou a um hospital pediátrico, após um extenso exame a médica concluiu que não era grave e que devia ter sido algo que comeu. Ficamos com medo que, à noite, Clara vomitasse no berço e se afogasse. Silvia quis logo passar a noite acordada para prevenir isso, mas a fiz concordar em me despertar após a primeira mamada noturna e que aquela dormiria no carrinho, cujo encosto é inclinado, evitando o risco de afogamento. Porém, Silvia descumpriu esse acerto, passou a noite desperta cuidando da nossa filha até, pouco antes das 5h, me levantar cambaleando de sono e a assumir. Reclamei por dois dias e Silvia inclusive notou que, enquanto muitos casais brigam porque o marido se nega a ajudar a esposa à noite, estávamos discutindo pelo motivo oposto. Desde então, ela está me entregando Clara todos os dias no início da manhã ou de madrugada, mesmo que tenha de me acordar.
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Na primeira vez que me sentei com Clara no chão, como mostrado no vídeo, pensei “que medo da porra!”, temendo que ela caísse para os lados e batesse a cabeça, e ri de mim mesmo. De fato, como digo frequentemente neste blog, o medo tem sido um companheiro constante desde o início do meu relacionamento com Silvia e provavelmente quem tem paralisia cerebral o sente muito mais do que as pessoas sem deficiência, pela maior vulnerabilidade, limitações físicas, superproteção da família, etc. Acho que se deve tentar eliminá-lo, pois é o que nos leva a tomar as precauções possíveis, apenas não se pode ser paralisado por ele.
Recentemente, Silvia me contou o caso de uma mãe sem deficiência alguma que nunca conseguiu ficar sozinha em casa com seu bebê apenas por medo, o que achei desconcertante porque o faço corriqueiramente e, quando há algum problema, tento resolver antes de pedir ajuda aqui ela. Foi o que ocorreu ontem: Silvia teve de buscar suas filhas no apartamento do ex-marido me deixando sozinho com Clara no tapete de EVA, esta se virou de bruços, vomitou, fui engatinhando apressado até o quarto, peguei uma fralda com a qual limpei o vômito, a mão e a boca desta; em seguida, Clara começou a chorar por estar cansada da posição e não saber se desvirar, tive de fazer isso – algo difícil para mim – colocando um pequeno travesseiro para proteger sua cabeça; quando Silvia chegou, Clara estava alegre e brincando!
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Minha maior preocupação é Silvia sofrer uma estafa por ter de cuidar de quatro dependentes e, como todo bebê, às vezes Clara dorme pouco ou nada à noite, fazendo tal risco aumentar perigosamente, razão pela qual venho insistindo há mais de um mês para nos revezarmos nessas noites. Não posso alimentar Clara nem trocar suas fraldas, mas tenho mais capacidade de faze-la dormir. Silvia tem o que chamo de Complexo de Mulher Maravilha, sempre com a atitude de “deixa que resolvo tudo para todo mundo” – pode haver um padrão aí, pois várias outras mulheres que se relacionaram fortemente comigo, como namoradas ou grandes amigas, apresentavam sinais desse complexo – e resiste muito a permitir tal revezamento noturno. Ainda assim, houve algum progresso desde o fim do ano passado, com Silvia me passando Clara entre 5h e 7h quando dorme mal à noite.
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Nesta tarde, Silvia saiu, me sentei no chão para cuidar de Clara, que estava numa cadeira de balanço, e recebi pelo WhatsApp perguntas de uma prima que tinham de ser respondidas imediatamente. Não quis subir na cadeira adaptada na qual uso o computador porque Clara ia chorar, pensei em pedir que tal prima fizesse as perguntas a Silvia mas, em vez disso, as respondi ali mesmo sentado no chão e usando o tablet com o pé. Fiquei imaginando quantas pessoas sem deficiência teriam habilidade para fazer o mesmo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na última sessão de fisioterapia do ano, a profissional que me atende inventou de me treinar para pegar Clara de novas formas. Não se iluda com meu sorriso, estava morrendo de medo de machucá-la.