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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Abaixo, está a íntegra da entrevista que dei à revista Bem Vindo A.Nó.S, em fevereiro deste ano, exceto as perguntas sobre meus dados pessoais, omitidas por motivos de segurança.
Bem Vindo A.Nó.S. Conte sua trajetória profissional?
Ronaldo. Quando me mobilizei para tentar trabalhar, a ideia inicial era prestar algum serviço como economista junto com um amigo que exerce esta profissão, mas o que acabei fazendo foram cartões de visita, algumas logomarcas e folhas de pagamento, impressos e digitação de textos, em sociedade com uma irmã minha, serviços cuja banalidade e baixa remuneração me desestimulavam bastante.
Em 1997, a irmã que era minha sócia passou a administrar uma loja de roupas e gradualmente deixou de trabalhar comigo, o que reduziu muito as atividades que podia fazer. No ano seguinte o coordenador de uma ONG que oferece cursos profissionalizantes gratuitos a pessoas com deficiência, sediada em Brasília, leu meu site, enviou uma mensagem dizendo que talvez pudesse me arranjar algum trabalho, respondi que isso era o que mais precisava, ele me pediu para fazer uma proposta para afazer a página dela – esse foi o primeiro trabalho grande que fiz sem minha irmã. Depois, dei algumas palestras, fiz alguns sites, trabalhos para estudantes universitários e outros “bicos”, de forma esporádica. Como não falo, tenho pouca coordenação nas mãos e, portanto, demoro para fazer a maioria das tarefas, além de não ter estudo formal, não tenho condições de aproveitar as poucas oportunidades de emprego que o mercado oferece para pessoas com deficiência. Passei uns dez anos sem trabalhar até criar, em 2014, o blog patrocinado Cérebro Pensante. Infelizmente, o blog só tem um único patrocinador e o valor que recebo é baixo.
Bem Vindo A.Nó.S. De onde surgiu a ideia do seu blog?
Ronaldo. Em 1998 fiz amizade com um empresário carioca – o sócio diretor da empresa que patrocina o blog – que viu meu site (não confundir com o blog), cujo pai tinha PC, e num momento muito difícil ele passou a me ajudar financeiramente, o que ele via como um prolongamento de seu amor pelo pai. Há dois anos, ele não pôde mais me ajudar informalmente e decidiu criar um blog patrocinado sobre PC. Era para ser um blog coletivo, cujo conteúdo seria produzido não só por gente com PC, mas também por pais, médicos, fisioterapeutas, etc, desde que os textos fossem sempre em primeira pessoa, que ele próprio iria arranjar, enquanto eu apenas ficaria com a administração do blog e só eventualmente escreveria. Na época, tinha parado de escrever há muito tempo, me sentia totalmente sem inspiração para tanto e fiz tudo para me esquivar de produzir o conteúdo. Porém, esse amigo nunca teve tempo para conseguir colaboradores e, contra minha vontade, acabei como o único responsável pelo blog.
Bem Vindo A.Nó.S. Qual é sua inspiração para os temas do blog?
Ronaldo. Meu cotidiano e, nos últimos meses, a mulher que amo. A intenção é mostrar uma pessoa com PC como alguém de carne e osso, com dúvidas, problemas, vitórias, conquistas, etc, inclusive abordando aspectos polêmicos e obscuros. O nome do blog é uma alusão à ideia de que pessoas com PC são incapazes de pensar. Me nego terminantemente a fazer o discurso da “superação” e a encarnar o papel de herói, super-homem, lição de vida e outros correlatos.
Bem Vindo A.Nó.S. Como é a receptividade do blog?
Ronaldo. Tem crescido muito.
Bem Vindo A.Nó.S. Qual o assunto que mais gostou de escrever?
Ronaldo. Os mais obscuros, desconhecidos.
Bem Vindo A.Nó.S. Na sua opinião, qual o tema mais polêmico que postou em seu blog?
Ronaldo. Sexualidade.
Bem Vindo A.Nó.S. Que mundo você espera que o seu filho cresça?
Ronaldo. Gostaria que minha filha vivesse num mundo menos desigual e mais tolerante.
Bem Vindo A.Nó.S. De que forma você enxerga a sociedade, atualmente, no passado, e no futuro?
Ronaldo. Nossa sociedade tem melhorado muito quanto a pessoas com deficiência em todos os aspectos, mas temo que no momento em que a direita cristã que tem dominado crescentemente a política brasileira perceba que não somos os anjos que imagina, haja um retrocesso.
Bem Vindo A.Nó.S. Qual a expectativa em relação ao futuro da inclusão no Brasil?
Ronaldo. Que melhore, mas isso não é uma certeza.
Bem Vindo A.Nó.S. O que você acha da acessibilidade no Brasil?
Ronaldo. Quando vim morar em Curitiba e pude compara-la a Recife, pude constatar o quanto a acessibilidade é desigual no nosso país – mas a grande desigualdade é a marca do Brasil sob todos os aspectos.
Bem Vindo A.Nó.S. Como você acha que a acessibilidade digital facilitou a vida social das pessoas com deficiência?
Ronaldo. Deu muitas mais oportunidades a elas.
Bem Vindo A.Nó.S. As pessoas encaram a deficiência de forma diferente? Após conhecer o seu blog?
Ronaldo. Sim, ficam surpreendidas e até encantadas.
Bem Vindo A.Nó.S. Deixe uma mensagem para os leitores da revista Bem Vindo A.Nós?
Ronaldo. As coisas não estão estabelecidas de vez para quem tem uma deficiência.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Embora boa, esta matéria da revista Bem Vindo A.Nó.S tem dois erros: este blog foi criado em 2014; e o segundo parágrafo mistura acontecimentos separados por mais de quinze anos – fiz o site de uma ONG (já extinta) no fim dos anos 1990.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Hoje, enquanto Silvia fazia o almoço fiquei balançando Clara no carrinho durante 30 ou 40 minutos, tentando que esta dormisse para ver se conseguíamos comer com um pouco de sossego e tomar banho. Devido à coordenação insuficiente da musculatura envolvida na respiração e na deglutição, durante as refeições às vezes entra comida no meu nariz, em geral causando o reflexo de espirrar. Dessa vez, entrou um pedaço de macarrão, fiquei vários minutos inspirando com força para ele voltar à boca e fazendo de tudo para evitar o espirro, para não acordar Clara. Silvia acabou dizendo “coitadinho, não pode nem espirrar!”.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
É raríssimo alguém com paralisia cerebral severa se casar, ainda mais com uma mulher linda e bem-sucedida, e ter filhos. Além dos méritos e esforços próprios e dos meus pais, tal sucesso deve-se a haver tido os privilégios e recursos da classe média; se tivesse uma condição socioeconômica inferior, provavelmente não teria me alfabetizado por mais inteligente que fosse, seria de fato motoramente paralisado e talvez tivesse morrido das doenças respiratórias acarretadas pela PC. Ainda mais difícil seria desenvolver o hábito da leitura e um alto nível cultural.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Nunca consegui ter uma profissão e, na maior parte da vida, não tive renda, embora esta tenha aparecido e aumentado nos últimos anos. Tive uma casa nos anos 1980, doada por um tio, e uma quantia de valor equivalente em 1998, mas perdi ambas – no primeiro caso, nada havia que eu pudesse fazer, mas no segundo foi incapacidade de dizer “não”. Escrever para este blog é um trabalho remunerado do qual passei a gostar, mas o patrocínio é pequeno, não consigo outros e colocar publicidade nele só o poluiu. Devo perder minha principal fonte de renda no próximo ano. Agora que tenho de participar das despesas de uma casa e de criar uma filha, me ressinto muito desses fracassos.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Tenho dificuldade de expressar agressividade, raiva, irritação, aborrecimento e emoções correlatas, por vários motivos: a dependência física e econômica; a impossibilidade de falar, que me obriga a usar formas de comunicação menos espontâneas; a necessidade de controlar a atetóide (movimentos involuntários) e a espasticidade (rigidez muscular), o que faz sempre precisar me controlar emocionalmente para poder me expressar; a prancha alfanumérica que é meu principal meio de comunicação torna complicado fazer uma narrativa ou detalhar muito um assunto, me fazendo ser conciso demais. Quando a calma forçada ou voluntária da minha comunicação impede os outros de compreenderem como estou me sentindo, os problemas persistem e aquelas emoções se acumulam, às vezes digito um texto-bomba que dá vazão a estas e pega o destinatário de surpresa ou até o assusta, mas é mais frequente isso gerar problemas gástricos.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ontem, fomos a um shopping center para cortar meus cabelos. Logo que entramos, uma vendedora de uma ótica na qual comprei um óculos nos reconheceu e que nos abordou perguntando pelo bebê que, então, estava na barriga de Silvia. Senti vontade de dar o endereço deste blog, mas fiquei na dúvida se essa pessoa não trabalhava noutra ótica onde recebi um atendimento ridículo – após nos despedimos, percebi que não era o caso ao vê-la entrar naquela primeira ótica.
Ao terminar de cortar meus cabelos, sem imaginar que sou casado o cabelereiro me falou “agora você pode paquerar as gatinhas”, mostrei minha aliança, o que o fez dizer “ih! A ‘polícia’ está por perto”, ao ver Silvia voltar ele emendou “a ‘polícia’ chegou” e ficamos rindo a deixando sem entender porquê. Esses papos masculinos me fazem falta.
Em Curitiba, se mantem as crianças acreditando em Papai Noel por muito mais tempo que no Nordeste, o que acho estranho. Após saímos do salão de beleza, Silvia levou suas filhas para tirar foto com o Papai Noel do shopping e queria a todo custo que eu também o fizesse apesar dos meus protestos, mas na hora H deixou isso para uma ocasião em que Clara esteja conosco. Fiquei pensando se há um jeito de escapar desse mico.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Tenho um desvio na coluna, o que somado à postura com que me sento me causa dores nas costas. Em Recife, fazia muitas atividades que reduziam e até eliminavam tais dores: tinha uma “bola de Bobath” na qual alongava as costas assim que me acordava de manhã; deitava de bruços algumas vezes ao dia, embora isso haja se tornado meio difícil após começar a ter refluxo; e fazia natação, fisioterapia e equoterapia. Nesse aspecto, em Curitiba a situação tem sido mais difícil: quando procuro uma cama para ficar de bruços, muitas vezes todas estão com uma pilha de coisas em cima; só venho conseguindo ir à natação num mês em cada quatro ou cinco e último foi julho; meu plano de saúde reduziu as sessões de fisioterapia domiciliar de três para duas; e é inviável praticar equoterapia. Assim, desde setembro tais dores aumentaram bastante. Comecei a me obrigar a ter paciência de desocupar minha cama quando quero me deitar de bruços, me apoiar no sofá para alongar as costas e, no verão, talvez possa nadar na piscina do condomínio onde moro, já que esta terá aquecimento. O tempo dirá se essas medidas diminuirão as dores.
Tudo na vida tem um custo – não existe almoço grátis, como dizia Milton Friedman. Essas dores são parte do custo de ter me mudado para Curitiba e constituído uma família.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Silvia e eu mal dormimos na noite deste domingo, por causa de Clara. Em geral, só me deito após ela botar esta no berço, mas estava tão cansado que adormeci logo, enquanto Silvia foi até a uma hora da madrugada com esta. Em seguida, mudei de posição na cama, fiz algum barulho que acordou esta, zangada Silvia disse que ia dormir no sofá e que cuidasse de Clara. Como já havia conseguido uma vez que esta dormisse no berço e para atenuar a situação, comecei a chacoalhar este com a perna, embora me machucasse um pouco, até esta dormir, voltei a me deitar, mas não peguei mais no sono. Em torno de mais uma hora, Clara acordou de novo, Silvia voltou ao quarto, combinamos que eu chacoalharia o berço de novo enquanto ela tentaria dormir, mas estava sem ver o rosto de Clara, parei antes de esta firmar o sono, começou a chorar e passamos outra noite sem dormir direito.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior