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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Acompanhei Silvia em todas as ecografias, exceto a primeira, feita numa emergência. Ontem, foi a penúltima, a qual fez seu obstetra adiar seu parto para início de julho.
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Desde que conversamos sobre nossa vulnerabilidade em situações de emergência, Silvia criou a mania de brincar de desmaiar no meu colo. Fico apavorado temendo não aguentar seu peso cada vez maior e que ela caia de fato. Ela gosta de me ver nervoso.
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Finalmente, obtive meu passaporte, encerrando uma novela de cinco meses. Silvia saiu da Polícia Federal especulando se fui um dos primeiros a utilizar o Estatuto da Pessoa com Deficiência para conseguir tal documento. Será que vou usá-lo antes do fim de sua validade?
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No início da gravidez, não consegui estabelecer se preferia que fosse menina ou menino, enquanto a preferência de Silvia era por um menino porque imaginava que seria viril como acha que sou, o que me surpreendeu muito porque nunca pensei em mim mesmo assim.
No dia em que comuniquei, em pânico, aos outros a gravidez de Silvia, minha melhor amiga me enviou um áudio chorando de emoção dizendo que esta filha será quem cuidará de mim quando tiver 102 anos; de forma menos exagerada, sempre que fala comigo outra amiga insiste na ideia de que esta é um seguro de vida para mim. Para mim, é uma tolice, bastando lembrar que cedo meu pai deixou de poder ajudar meus avós, sobretudo por ter dois filhos com deficiência, e apesar das minhas limitações acabei a 3000km da família – assim, p. ex, nada impede que nossa filha case-se com um finlandês e vá morar em Helsinque! E se a criasse com tal missão, é bem possível que se tornasse um grande peso do qual poderia querer se livrar.
Vivo dizendo, inclusive para atazanar Silvia, que nossa filha será baladeira, gostará de festa e de sair, praticará esportes radicais e vou levá-la para saltar de paraquedas – às vezes, ela cai na minha onda e fica preocupada, o que só me faz rir mais. Porém, não levo esses e outros desejos e expectativas a sério, pois onde existe vida há imprevisibilidade e imaginar que podemos determinar como serão os filhos é uma ilusão.
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Em novembro, Silvia teve um sangramento misterioso, seu ginecologista recomendou evitar esforço até o fim do primeiro trimestre da gravidez – ela não seguiu tal recomendação por muito tempo, logo estava saindo comigo – e falou que o mesmo deveria ocorrer no terceiro. Também nos assustamos com nossa vulnerabilidade se houvesse uma emergência; por vários meses, sempre que ela se levantava da cama à noite, eu me acordava, ficava escutando atentamente e até tirava o tapa olho com que durmo, para ver se Silvia estava passando mal, e só sossegava quando voltava à cama e dizia estar bem.
O médico que fez as ecografias de fevereiro e março foi um sinistro descendente de japoneses, que digo ser um personagem do filme “O Grito”, para quem qualquer desvio da média dos parâmetros medidos pelos exames era motivo de preocupação. Aquelas ecografias mostraram que o feto estava pequeno e as artérias uterinas de Silvia estavam restritas, o cara nos assustou, mas os médicos que fizeram as ecografias seguintes nos tranquilizaram, dizendo que nossa filha deve nascer pequena, mas saudável. A última ecografia indicou que essa restrição arterial desapareceu, este e outros exames mostraram que Silvia está tão bem que o ginecologista tem dito para continuar levando vida normal e ela ainda me dispensa todos os cuidados que necessito, exceto meu banho. O contraste entre minhas apreensões e a relativa tranquilidade deste fim de gravidez veio à tona em abril, quando participamos do festival Comida di Buteco, pois achava que praticamente não poderíamos sair de casa.
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Se Silvia fosse fazer parto normal, nossa filha nasceria no início de julho – será cesariano e deve nascer no fim de junho. Seu corpo está se preparando para dar a luz, com a intensificação das contrações, corrimento, dilatação da pélvis, dores neste local, etc. Nos últimos dias, sempre que sente um desses sintomas ela pensa que o parto é iminente, vai acontecer nas horas ou dias seguintes. Por mais que ache que tais sintomas são normais e procure convencê-la que o parto não será antecipado, começo a ficar tenso, nervoso, assustado, principalmente porque pouco poderia fazer para ajudar nesse caso e, em particular, não posso eu mesmo levá-la à maternidade numa emergência. Ontem à noite, ao teimar comigo ela procurou no Google uma lista de sintomas de que o parto é iminente e viu que ainda não tem alguns, o que me fez dizer, rindo, ”você quer é me assustar”. Quando arfa, geme ou reclama do que está sentindo, às vezes no momento seguinte Silvia rir, cai na gargalhada com minha cara de assustado – que sacanagem!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Silvia quis que eu conhecesse um novo restaurante aberto no Shopping Itália, ao qual fomos ontem. Depois do almoço, demos um giro no shopping, as vendedoras com quem ela falou mudavam visivelmente de comportamento ao perceberem sua gravidez, mas nenhuma parece ter imaginado que eu pudesse ser o pai – acho que tomaram como dado que era seu irmão. Ao saber que será a terceira filha de Silvia, uma exclamou algo como “mas você parece tão novinha!”, confirmando o que disse noutro post sobre algumas pessoas pensarem que sou seu filho.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Quando têm um filho com paralisia cerebral – ou outras deficiências –, muitas mulheres passam a se focar no tratamento dele, até de modo quase obsessivo, às vezes em detrimento de seu casamento – muitos maridos se separam por essa causa – e dos outros filhos. Foi o que minha mãe fez. Até em torno dos meus quinze anos, ela aprendia os exercícios que as fisioterapeutas faziam comigo para repeti-los em casa – durante um período, os fazia o dia inteiro e não parava nem nos feriados e fins de semana. Me levar a clínicas de reabilitação sempre era muito complicado, ainda mais à medida que foi tendo outros filhos. Todo aquele esforço prejudicou bastante meus irmãos e o casamento de meus pais, embora este não tenha se acabado – quando passei a ter idade para compreender as coisas, isso me deu um sentimento de culpa difícil de acabar.
Há uns trinta anos, minha mãe passou a apresentar uma grave doença psíquica que ela nega, recusa-se a tomar a medicação adequada e ir a psiquiatras, e se ninguém intervir adota comportamentos autodestrutivos que podem levar à morte. Esse problema exaspera todos da família, que acabam fugindo de uma forma ou outra, atitude que eu não podia tomar devido às minhas limitações físicas, há quatorze anos assumi a responsabilidade de cuidar para ela tomar os remédios, dizer quando precisava consultar a psiquiatra, informar esta, mobilizar a família para intervir, etc. Assim, salvei sua vida várias vezes.
Ao longo do tempo, ela foi perdendo os amigos, a vida social, etc, e sua vida se restringiu a pouco mais que frequentar um centro espírita e cuidar da minha irmã que tem deficiência e de mim, o filho a quem é mais ligada. Quando decidi vir morar com Silvia em Curitiba, minha primeira preocupação foi o que aconteceria a minha mãe, temendo que perdesse o sentido da vida e perecesse, embora também tivesse a esperança que essa irmã continuasse a suprir tal sentido. Prevendo uma oposição fortíssima, não comuniquei essa decisão à família, saindo de casa dizendo que só passaria um mês aqui. Nos meses entre a tomada dessa decisão e sua efetivação, ela intuiu que eu estava de partida, inicialmente me advertiu que morreria logo, depois me liberou para ir embora dizendo que Deus a ajudaria a continuar vivendo e ficou oscilando entre as duas posições.
Após chegar a Curitiba, fiquei tergiversando e só contei à família, com muito cuidado, que não voltaria a Recife após ter um mínimo de certeza de que teria êxito, o que levou quase dois meses. Diante desse sucesso e do fato consumado, a família aceitou muito bem, compreendeu que encontrei meu destino e evitei aquela oposição. Como é comum em mães de pessoas com PC, a atitude da minha sempre foi de superproteção quanto a mim, o que gerou fortes conflitos entre nós. Portanto, foi com grande surpresa que vi que, apesar de sentir demais minha ausência, sua reação à minha saída de casa é de felicidade, alegria, principalmente após a gravidez de Silvia, que logo se tornou sua nora favorita – seu negócio é ter noras lindas e que tratem bem a filha que tem deficiência. Creio que me casar com uma mulher linda e maravilhosa com a qual terei uma filha faz com que minha mãe sinta que, no fim, todo o amor, esforço e sacrifício que ela e meu pai dedicaram a mim valeram a pena.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Como contei aqui, o primeiro encontro entre Silvia e eu quase fracassou e o principal motivo foi o box do banheiro ser completamente inadequado a mim, pois o piso escorregadio, as barras e torneiras nas paredes e as saboneteiras nos cantos impediam de me banhar de pé encostado na junção de duas paredes, como fazia em Recife. Tentei me banhar sentado no chão e também escorreguei; numa cadeira de plástico, mas esta ficou instável e ameaçava se quebrar; e o que resolveu foi uma cadeira de banho emprestada por uma conhecida de Silvia.
Quando vim morar em Curitiba, ela colocou fitas antiderrapantes no chão do box e retirou uma das barras, de modo a me permitir tomar banho encostado numa parede segurando na outra barra. Porém, tais fitas acabavam se descolando, obrigando ela a substituí-las periodicamente, o que vinha se tornando cada vez mais difícil com a evolução de sua gravidez. Há uns dois meses, pesquisando na Internet Silvia soube do spray AD+AD da empresa Gyotoku, que torna antiderrapantes pisos de cerâmica ou granito, uma vizinha nos arranjou esse produto e agora parece que o problema foi solucionado de vez.