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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Em 2004, escrevi um manual para ensinar as mulheres que iam encontrar-se comigo em Recife pela primeira vez como lidar com minhas limitações físicas, o qual atualizei e enviei a Silvia antes do nosso primeiro encontro. Nas conversas que antecediam tais encontros, também me esforçava para dar uma noção clara dessas limitações. E Silvia tinha passado por situações extremas com as doenças do primeiro marido. Tudo isso me fez supor que ela teria certa facilidade para começar a lidar comigo concretamente – não foi o que aconteceu.
Nos primeiros dias, Silvia sequer conseguia entender o que eu dizia com a prancha de comunicação, precisando conversar comigo através do meu irmão, até que ensinei os macetes pelo WhatsApp. Ficava meio apavorada quando estava aprendendo a me dar líquidos (água, cerveja, vinho, etc), com medo de me engasgar. Temia me cortar feio ao fazer minha barba. O pior foi o box do banheiro ser completamente inadequado a mim, pois o piso escorregadio, as barras e torneiras nas paredes e as saboneteiras nos cantos me impediam de ficar de pé encostado na junção de duas paredes, como fazia em Recife – após tentarmos várias soluções, resolvemos o problema com uma cadeira de banho emprestada por uma conhecida dela.
Em março de 2015, Silvia residia num apartamento diferente do que moramos e contratou uma cuidadora para dormir comigo após meu irmão voltar para Recife, mas esta não apareceu. Propus dormir sozinho, ideia que o deixou muito intranquilo e ela se comprometeu a dormir comigo, o que a causou vários transtornos, embora fosse o que desejávamos de fato.
Sempre ficava um pouco constrangido quando me encontrava com uma namorada pela primeira vez, mas, por algum motivo que até hoje desconheço, a intimidade que já tinha com Silvia desapareceu por completo ao vê-la no aeroporto, fiquei totalmente sem jeito. Essa falta de intimidade – que só reapareceu após a volta do meu irmão – e a percepção da sua dificuldade de lidar comigo me faziam ficar tenso, nervoso, o que aumentava minha espasticidade (rigidez muscular), portanto minha descoordenação motora, agravando as coisas para ela.
Diante da perplexidade de Silvia com o que ocorria, tentei acalmá-la dizendo, no WhatsApp, algo como “com experiência e amor tudo há de se resolver”, embora temesse que nosso primeiro encontro acabasse mesmo em fracasso – na noite anterior ao retorno do meu irmão, me senti obrigado a perguntar a ela se era melhor voltar com ele, torcendo para a resposta ser “não”. Estávamos apaixonados, com grandes expectativas, já havíamos enfrentado muita barra pesada na vida, assumido riscos consideráveis e não desistimos com aquele início difícil.
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Há um ano, estava chegando a Curitiba para conhecer Sílvia pessoalmente, com a cabeça transbordando de expectativas, receios e dúvidas. As duas semanas seguintes foram o período mais intenso da minha vida. Nos meses posteriores, muitas vezes pensamos que estávamos sendo malucos – loucos de amor estávamos sendo com certeza! Mas, à medida que o tempo passa, acho cada vez mais que as decisões que tomamos foram acertadas. No momento, estou cheio de preocupações (com nossa situação financeira, a filha que nascerá em junho, etc) – parece que minha cabeça não consegue se aquietar –, mas me sinto muito feliz ao lado da mulher da minha vida.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Exceto a primeira, todas as namoradas que tive moravam longe de Recife e foram me encontrar pessoalmente lá – Silvia foi a primeira que me fez sair da zona de conforto. Às vezes, a gente vê histórias de encontros marcados pela Internet que acabam de forma trágica, embora eu ache que sejam exceções às quais a mídia dá repercussão exagerada. Ainda assim, ir ao encontro de outro numa cidade distante implica riscos mesmo para pessoas sem deficiência, que podem andar, correr, usar as mãos para se defender, pegar o celular e ligar para alguém, etc – não posso fazer nada disso. Na prática, a diferença entre as duas situações é menor do que parece, pois, quando uma namorada ia a Recife pela primeira vez, uma irmã ia comigo pegá-la no aeroporto e nos deixava num hotel sozinhos – se a figura fosse desequilibrada, criminosa ou algo do tipo, eu estaria em apuros quase tanto quanto se estivesse noutra cidade. A diferença é que, se conseguisse pedir socorro, algum familiar ou amigo chegaria em uma ou duas horas, enquanto levaria dias para ir a outra cidade.
Para complicar, em 2008 me deixei enredar num engodo bem semelhante a este. Para mim, a vítima e o Fantástico não levaram a investigação às últimas consequências, porque no meu caso a farsa foi engendrada por uma quadrilha de crimes virtuais. Apesar de possivelmente ter sido responsável pela clonagem de um cartão de crédito meu, o grande objetivo dessa quadrilha era me manter afastado da mulher que então eu namorava, fato que, junto com o conhecimento íntimo que tinha desta, me faz pensar que foi contratada pela melhor amiga desta – as duas moravam juntas e tal amiga era visceralmente contra aquele namoro. O relevante aqui é que a personagem falsa que inventaram era uma linda mulher de Curitiba!
Essa história tornou-se uma assombração, uma verdadeira paranoia na fase virtual do meu relacionamento com Silvia. Foi trivial confirmar seu emprego público, era praticamente impossível que outra pessoa soubesse o que conversávamos no ano 2000, ela logo me deu seus endereço, telefone e celular, etc. Porém, nada evitava que, de vez em quando, eu tivesse um acesso de paranoia, realizasse algum teste de segurança e até retardasse nosso primeiro encontro em dois meses em parte por essa causa – e também para ver se teríamos um relacionamento ou ficaríamos só na amizade. Esse problema só não foi maior porque Silvia foi totalmente transparente comigo.
Esses só são uma parte dos medos e dúvidas que tinha antes do nosso primeiro encontro, há um ano, e nem eram os maiores. Precisava de enfrenta-los, pois sabia perfeitamente que era a maior oportunidade da minha vida.
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O corpo de Silvia parece estar se preparando para o parto, com a pélvis se dilatando para os lados, o que causa desconforto e dor. Vinha sendo doloroso, após colocar a primeira perna numa calça, ela segurar esta para botar a segunda, tendo de dobrar o corpo com a barriga já grande. Nesta semana, vi que podia segurar a calça enquanto ela coloca a segunda perna, de modo a evitar se dobrar e sentir dor. Quase sempre é Silvia que troca minha roupa e é engraçado agora estar a ajudando a se vestir.
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Quando Silvia e eu decidimos morar juntos, logo percebemos que eu precisaria ter uma boa relação com suas filhas para esse projeto dar certo. Estas fotos exemplificam o que fiz com tal objetivo. O que a gente não faz por amor?!
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No último post, assumi a perspectiva de um extraterrestre porque é assim que algumas pessoas veem quem tem paralisia cerebral – e também porque gosto muito de ler sobre astronomia, cosmologia, etc.
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No sábado à noite, Silvia e eu fomos ao show do RPM no Teatro Positivo. Em contraste com o que houve à tarde, um funcionário se aproximou do carro, ajudou a tirar minha cadeira de rodas do bagageiro e me tratou de amigão; após nos sentarmos nas poltronas, a mulher à esquerda perguntou se somos casados. Há vida inteligente neste planeta quanto a pessoas com paralisia cerebral!
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Ontem à tarde, Silvia e eu fomos ao shopping center para fazer um ajuste no meu óculos, um funcionário responsável pelas cadeiras de rodas, muito solicito, levou uma até o carro, após me sentar falou “bote o pezinho aqui (no pedal)” e me chamou de garoto, o que me deu vontade de dizer “tenho 51 anos, essa gata é minha esposa e ela está grávida de mim”!
Na ótica, fiquei atazanando Silvia para me dar minha prancha de comunicação a fim de deixar o endereço deste blog com as vendedoras (veja o porquê aqui) e, inquieta, ela se negou – eu estava brincando, mas não era impossível que resolvesse mesmo deixar o endereço. Sacanagem, Silvia cortou meu barato!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Há três dias, fui buscar meu óculos na ótica mencionada no último post e, para inquietação de Silvia, tive vontade de deixar o endereço deste blog, para a vendedora saber como foi idiota comigo. Silvia me deu o controle de sua conta bancária quando cheguei a Curitiba, nesta terça me pediu para transferir um valor para uma pessoa que não quer saber de mim e, já que ia dar uma quantia para ajudar nas despesas da casa, pensei em fazer a transferência diretamente da minha conta, para ver o circo pegar fogo. Sou conciliador, mas para mantê-lo às vezes preciso me controlar para não agir como um espírito de porco, altamente provocativo. Quanta diferença para os anjinhos que muita gente pensa que são as pessoas com paralisia cerebral!
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Ontem, fui com Silvia a uma ótica comprar novas lentes para meu óculos. Quando esta disse que o uso só para leitura, a vendedora falou espantada “ah, ele lê, é?!” e pensei “eita, ela acha que sou analfabeto”. Fiz cara feia ao saber do primeiro orçamento, Silvia explicou que o pagamento seria no meu cartão de crédito, novamente a vendedora se espantou porque tenho um (na verdade, vários), na hora de fazer meu cadastro ela perguntou ‘ele tem CPF?” e me perguntei “como ela acha que eu posso ter feito um cartão sem CPF? Acha que não tenho cidadania?”. No caixa, a vendedora perguntou a Silvia “ele é seu irmão?” – só uma ou duas pessoas em cem imaginam que somos casados –, esta respondeu que sou seu marido e que está grávida, o que aumentou o espanto dela e ainda perguntou se será um menino – é uma menina! A vendedora não acertou uma!
Esta é uma situação típica do nosso cotidiano e bem reveladora de como a sociedade vê quem tem paralisia cerebral, embora não expresse meu sarcasmo por questão de educação e o máximo que faço é rir.