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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Muita gente deve se perguntar o que uma mulher linda, cheia de dons e com uma profissão prestigiada e bem remunerada como Silvia viu num homem com uma paralisia cerebral severa, sem emprego e com renda baixa. O tipo de homem que a atrai é o que tem uma grande força de espírito, ressaltada pela combinação de fragilidade física com muito bom humor. Ela adora ter alguém para cuidar, embora quisesse um homem que também cuidasse dela, a ajudasse no cotidiano, o que venho conseguindo fazer mais do que esperávamos. E tem fascínio por homens que se expressam e/ou escrevam bem e de modo incisivo, fator que desencadeou sua atração por mim.
Uma das coisas que soube na Internet que mais me causou estranheza é que há pessoas que têm atração por homens ou mulheres com deficiência. Como há atração por praticamente todas as características humanas, depois me perguntei por que não pela deficiência. É possível que Silvia tenha tal tipo de atração, pois muitas situações geradas pela minha PC que a grande maioria das pessoas, inclusive eu, veria como transtornos a fazem rir, divertir-se, brincar, além de ter muito prazer comigo na cama. Considerar isso não saudável é se aferrar a uma noção de “normalidade” que leva a desconhecer e/ou rejeitar o que pode trazer felicidade a pessoas comuns e equilibradas, como Silvia, apenas por terem desejos diferentes das outras.
Este texto não é uma lista exaustiva dos motivos de Silvia me amar, pois esta questão é bem mais complexa do que um punhado de características e, se continuasse escrevendo a respeito, seria difícil evitar ser pedante.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Parte importante do projeto de vida que Silvia e eu temos é viajar ao exterior, embora haja sido adiada indefinidamente pelo filho que teremos. Como já havíamos agendado e pago a emissão dos nossos passaportes antes da gravidez, hoje fomos à Polícia Federal para tirarmos as impressões digitais e fotos necessárias. Para nossa total surpresa, a PF negou a emissão do meu com a exigência da declaração de um juiz de que sou apto para os atos da vida civil! Silvia é advogada e, até então, só tinha visto a exigência da comprovação da incapacidade para tais atos. Fui à Europa em 1998 e, na época, não houve qualquer exigência desse tipo – a PF retrocedeu no trato com pessoas com deficiência! Não sei qual foi o fundamento jurídico desse retrocesso, mas agora tal exigência viola os artigos 84, 85 e 86 da Lei 13.146, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Vou entrar com um processo administrativo na PF esperando não só obter meu passaporte, mas também fazer essa instituição mudar tal conduta com as pessoas com deficiência.
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Só recentemente este blog passou a receber comentários [os anteriores a agosto de 2017 foram perdidos num ataque hacker] e aprendi direito o procedimento para libera-los. Nessa ocasião vi um comentário de uma mulher, datado de 08/03/2015, me pedindo para fazer sexo oral nela porque fantasiava em transar com um homem cujo desempenho sexual se reduzisse à ponta da língua, me confundindo com um paraplégico. O comentário foi feito antes de eu começar a escrever sobre meu atual relacionamento, mas o post comentado não tinha indicação alguma de que eu atendia aos requisitos de sua fantasia. Tive vontade de dar uma resposta desaforada e mesmo de xinga-la, mas nada disse porque já havia se passado mais de oito meses – mas se respondesse, teria me limitado a indicar a página sobre sexualidade do meu site, cujo objetivo é combater a generalização dos problemas da lesão medular para a paralisia cerebral.
Tal generalização indevida é um aspecto obscuro do imaginário social brasileiro que só deve ser conhecido por quem tem PC – não sei se as pessoas com outras deficiências físicas diferentes da lesão medular também a sofrem nem se ocorre em outros países. Quando começam a nos perguntar se temos dificuldade de ereção, sensibilidade na região genital e coisas semelhantes, ficamos atônitos, sem entender nada, porque as questões relativas à sexualidade que enfrentamos são muito diferentes. Depois que compreendemos que estão nos confundindo com tetra e paraplégicos, passamos a nos incomodar, irritar e até enraivecer com essa generalização.
Apesar do termo “paralitico” – que abrangia lesão medular, paralisia cerebral e poliomielite – praticamente haver caído em desuso, acho que continua a fazer parte do imaginário social brasileiro e, como as pessoas com lesão medular são a grande maioria das abrangidas por essa categoria antiga, as especificidades das outras são ignoradas. Além disso, ”paralisia cerebral” é uma expressão enganosa por dar a impressão de imobilidade, uma característica da lesão medular, não da PC, cujo principal traço é a descoordenação motora e, em muitos casos, existe até um excesso de movimentos; há alguns anos, os médicos a renomearam como “encefalopatia crônica não-progressiva”, mas esta segunda expressão não será difundida entre os leigos. Não sei em que medida essas minhas considerações explicam realmente tal generalização, que dificilmente atrairá a atenção de um antropólogo ou psicólogo social.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Era para ter acontecido no Natal de 2014, mas me assustei com os possíveis problemas, riscos e confusões do que estava me metendo, parei para refletir, fiquei distante, o que a fez me enviar um e-mail frio, pensei que ela havia desistido de mim e passei a trata-la com igual frieza – demorou doze dias para esse mal entendido ser resolvido. O que me fez prosseguir foi perceber que ela estava profundamente infeliz e, de algum modo, eu a fazia bem, se alegrar. Hoje faz um ano que nosso relacionamento começou. Agradeço à vida por ter me dado uma mulher linda, maravilhosa e encantadora como Silvia Regina.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Fui citado numa discussão de um grupo do Facebook, iniciada por uma mãe aflita e perdida porque a filha de 20 anos com paralisia cerebral tem falado em namorar, casar, ter uma companhia, e que está se entristecendo com as dificuldades para tanto. Minha resposta (editada) a essa mãe foi a seguinte:
“Me parece que a primeira coisa que você tem de fazer é ver que sua filha não é mais uma menina, e sim uma mulher adulta, com sexualidade, desejos, etc. Se ela conseguirá ter relacionamentos vai depender de múltiplos fatores e só o tempo dirá. Mas como adulta, ela tem de aprender a lidar com as tristezas, frustrações, etc, desse processo e, se você tentar poupá-la disso, vai piorar situação dela. No caso improvável de ter sucesso (provisório), ela se tornará uma pessoa incapaz de viver e possivelmente sofrerá mais. Um psicólogo pode ajudar. Minha história é bem peculiar, dificilmente pode ser generalizada e, se quiser conhecê-la, vá meu blog – também recomendo o texto sobre sexualidade do meu site.”
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Era uma grande incógnita como eu seria como marido, já que minha vida amorosa foi muito fragmentária, muito mais virtual do que pessoal. Me ressentia não só de inexperiência, mas também de ter uma experiência muito especifica que não me ajudaria na convivência concreta com uma mulher. Penso que estou me saindo muito melhor do que eu mesmo esperava e minha esposa está bem satisfeita – ou pelo menos ela me faz mais elogios do que queixas. Acho que aprendi com a experiência e os erros dos outros e me ajudou muito ter bem mais amizade com mulheres que com homens.
Por mais que quisesse ter um relacionamento completamente não-virtual com uma mulher, parece que acreditava muito pouco que isso viesse a acontecer, pois, quando ocorreu, demorou meses para “cair a ficha”: me soou estranho ouvir a chefe dela nos tratar como marido e esposa na recepção de um bar e uma montadora de móveis sair do nosso apartamento dizendo “tchau, seu Ronaldo”, um tratamento que passei a vida vendo ser dispensado a meu pai – demorei um segundo para perceber que esta falava comigo, já que não estava acostumado a ser autoridade numa família. Era uma “normalidade” estranha, surreal para mim.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Inicialmente, minha esposa e eu planejávamos morar em Recife, em janeiro de 2016, num apartamento que estava à venda no prédio onde residia com minha família. Parece que ficar na minha zona de conforto me deixa desconfortável, sempre quis morar num lugar mais desenvolvido, mais organizado e mais “europeu”, e como disse noutro post constatei que ela é a mulher dos meus sonhos – por esses motivos, a ideia de morar com ela em Curitiba me deu a sensação de ter encontrado meu destino, embora ainda em janeiro de 2016. Ela tem uma imensa dificuldade de viver sozinha e me propôs vir já em julho. Num impulso aceitei tal antecipação, só para, em seguida, passar duas semanas extremamente assustado, em pânico com o que havia decidido, a um milímetro de recuar.
O medo era tão grande que não conseguia expressar sua origem, só enxergando os problemas operacionais dessa decisão, que afinal formos resolvendo. O que estava subjacente a esse enorme medo era que ia deixar tudo que tinha em Recife para viver numa cidade em que não conhecia ninguém, com uma mulher que havia acabado de conhecer, com quem brigaria, sendo fisicamente dependente, sem trabalho, com renda baixa, etc. Para exemplificar a precariedade da situação na qual me colocaria, se uma fatalidade a acontecesse ficaria sem ter como me haver e levaria dias para minha família me socorrer.
Tomamos tal decisão em abril. Naquele mês, quase não pude ir à comemoração do aniversário da minha mãe porque esta e meu pai já não podiam descer escada comigo, minha irmã mais velha só o fez uma vez na vida, a do meio está cheia de problemas ortopédicos e musculares, e meu irmão foi para a casa da namorada e já poderia ter passado num concurso público noutro estado. Aí vi que correria riscos mesmo se ficasse quieto em Recife, que cresceriam no futuro próximo – de fato, basta estar vivo para se correr riscos. Então, saí do pânico para começar a resolver os problemas de vir morar em Curitiba, embora o medo permanecesse, menor, por muito tempo.
Foi a decisão mais assustadora, a mais difícil da minha vida e acho que o único motivo para não tê-la mudado, naquelas duas semanas, foi amar demais minha esposa.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Em Recife, raramente ficava sozinho em casa, de modo que, se me acontecesse um acidente doméstico ou mal súbito, provavelmente haveria alguém para me socorrer e/ou avisar minha família; mesmo quando ficava só, com o tablet podia me comunicar com essa e uns poucos amigos. Quando vim para Curitiba, só podia contar com minha esposa, que saia para trabalhar, passei a ficar só com muito mais frequência e tornou-se essencial não deixar o tablet sem bateria, para poder me comunicar com ela – agora essa situação está atenuada; em Recife, no fim da tarde também era vital manter o tablet funcionando, pois ficava só com a irmã com deficiência e minha já idosa mãe e temia que algo ocorresse a esta – mas aí esta podia bota-lo para carregar. Em agosto, ao ver que a bateria acabava e estava sozinho em casa, descobri que consigo bota-lo para carregar colocando um lado do tablet sobre a coxa esquerda, segurando o outro lado com a direita e encaixando o cabo do carregador no tablet com a mão esquerda – a menos descoordenada – apoiada na primeira coxa; aqui, tem-se o hábito de se deixar os carregadores na tomada mas, mesmo se estiverem guardados, seria menos difícil coloca-los na tomada e, devido ao formato desta, sem risco de levar um choque.
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No último sábado, minha esposa e eu formos ao show de Lulu Santos, já dentro do Teatro Guaíra fui abordado por um homem entusiasmado por eu estar lá e falando como se eu fosse uma criança. Comecei a responder usando minha prancha de comunicação numa tentativa de faze-lo compreender que não tenho déficit cognitivo, o que não deu muito certo. Aí sinalizei para minha esposa contar grosso modo nossa história e só então ele passou a me tratar como adulto – o mero fato de eu ter uma mulher linda já desmonta tudo que se imagina sobre pessoas com paralisia cerebral. Pouco depois, a namorada dele chegou, falou que tinha um irmão com PC e que este morreu no ano passado, o que me fez entender porquê ele havia me abordado daquela forma – o irmão desta devia ter algum déficit cognitivo.
O Teatro Guaíra é um péssimo lugar para pessoas com deficiência assistirem um show de música, ao menos dançante, pois se os outros se levantarem para dançar quem está na fila reservada a tais pessoas fica impedido de ver o espetáculo, exceto se também puder ficar de pé – eu posso, mas com dificuldade –, o que frequentemente não é o caso.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Na semana passada, minha esposa levou a filha menor ao aniversário da melhor amiga desta e voltou rindo muito dos olhos arregalados, do leve recuo da cabeça e outros sinais de espanto que duas pessoas fizeram ao saberem que, em oito meses, ela se separou do primeiro marido, arranjou um namorado em Recife que tem paralisia cerebral severa, casou-se de novo e está grávida dele; esse espanto me fez brincar que deveriam pensar algo como “essa mulher devia estar num hospício”. Noutra ocasião, a vi fazendo tal relato a uma amiga por telefone, caí na gargalhada e disse “você acabou de passar um atestado de insanidade mental”.
Qualquer noção de “normalidade” no amor e em outros assuntos humanos induz a enganos e o que a maioria considera loucura pode fazer muito bem a uma pessoa. Para nós dois, o espanto que nossa história pode causar – nem sempre isso acontece – é engraçado.