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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Cedo ou tarde, todas as minhas amigas e namoradas acabavam dizendo que sentiam-se seguras comigo apesar da minha fragilidade física, um mistério que nunca consegui desvendar. Mais compreensível é que transmita segurança a Clara na ausência de sua mãe, afinal cuido dela, a protejo, sou seu pai. Porém, logo no primeiro dia em que notei que Clara veio para meu colo para se sentir segura me perguntei qual seria a segurança que poderia dar a ela se Silvia viesse faltar de vez, por algum acidente ou mal súbito, com todas minhas limitações físicas, baixa renda, pais que já estão com mais de 80 anos e que ainda precisam cuidar da minha irmã que tem deficiência física e cognitiva, etc. Fiquei apavorado e, desde então, sempre que começo o mesmo raciocínio procuro me acalmar pensando que Silvia é forte, tem ótima saúde e que tal situação é improvável.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Há três dias, Clara pegou minha prancha de comunicação, veio para perto de mim e começou a mexer nesta com os pés. Não sei se sua intenção era conversar comigo, mas no mínimo estava me imitando.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
No último domingo, após estacionar o carro na garagem Silvia resolveu que Clara iria andando até o elevador em vez de comigo na cadeira de rodas. Quando a porta se abriu, por um momento Silvia ficou indecisa entre evitar Clara de entrar no elevador e puxar a cadeira, achei que podia conduzir esta com os pés para subir um aclive que existe no local, mas, ao invés disso, esta virou para trás. A estrutura da cadeira protegeu minhas costas e tive o reflexo de enrijecer o pescoço para a cabeça não bater no chão, de modo que nada sofri. Mas ao me ver caído no chão, Clara entrou em desespero, apontando as mãos alternativamente para Silvia e para mim pedindo que a mãe me acudisse logo. Dois dias depois, me deitei no chão e Clara ficou um pouco aflita querendo me levantar. Diante da ligação de Clara com Silvia, tendo a pensar que tenho pouca importância para ela, mas essa queda mostrou que tal suposição está errada.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Clara parece estar começando a ter consciência das minhas limitações e necessidades: ontem à tarde íamos sair, Silvia trocou minha roupa, saiu do quarto e Clara me deu a mão para andar comigo, gesto que repetiu na sala; e hoje, ela trouxe minha prancha de comunicação para perto de mim e ficou a apontando com o pé, como se quisesse conversar comigo.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Faz uma semana que, sempre que Silvia sai, Clara acaba vindo para meu colo, às vezes permanecendo muito tempo. Parece que, na falta da mãe, sou o porto seguro dela.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Talvez por ter encontrado novos meios de brincar com Clara, seu distanciamento de mim já começou a se reverter, voltando a falar “papai”, vir espontaneamente para meu colo e, ontem, passou a me abraçar e beijar.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Há uns dois meses, Clara começou a ensaiar cuidar de mim, tentando me vestir, alimentar, levantar, limpar, etc. A princípio, ficamos surpresos, mas logo Silvia percebeu que em toda sua ainda curta vida Clara a viu fazendo tais coisas e é natural que a imite.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Neste domingo, Silvia foi ao sorteio do amigo secreto do condomínio em que moramos e, o que sempre me deixa apreensivo, fiquei sozinho com Clara. Entreti ela com brinquedos sonoros e, depois, veio se deitar no meu colo. Então lembrei que, em junho, quando estava aprendendo andar temi que não pudesse mais cuidar dela – mas, ao contrário, isso se tornou mais fácil. E tenho a impressão de que, quando preciso evitar que Clara se machuque, minha coordenação motora melhora, inclusive apresentando reflexos incomuns.
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Adoramos o Mercado Municipal de Curitiba e fomos lá ontem. Antes, passamos numa loja de artigos de confeitaria na rua ao lado, a vendedora que nos atendeu percebeu que somos casados e deixou Silvia contente por não haver pensado que sou seu filho, o que não impediu aquela de falar “(coi)tadinho” e perguntar se nos casamos antes de eu adquirir a deficiência – depois, dentro do Mercado Silvia me disse “tadinho é porque ela não sabe como você é safado”. Ao nos sentarmos para comer uma torta, segurei firme no braço de Silvia, ela falou que gosta da minha “pegada” e fiquei muito surpreso, pois até então pensava que fazia esta com força e descontrole demais, de modo que não era agradável. Quando andávamos no Mercado, um vendedor evangélico me disse “Jesus te ama” e pensei “e o Diabo também” – que maldade a minha
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- Escrito por: Ronaldo Correia Junior
Às vezes, algum conhecido, amigo ou parente meu – não meus pais e irmãos – fala como se botasse Silvia num pedestal, a idolatrasse ou algo parecido, e eu devesse fazer o mesmo, por ter se casado comigo. No início do nosso relacionamento, também às vezes eu fazia esse movimento, mas sua própria paixão por mim o interrompia, pois significava que eu não estava abaixo dela – na época, fui até pretensioso em algumas ocasiões. Recentemente, ao conversarmos sobre os motivos de sua atração por mim, a própria Silvia riu dessa atitude porque, quando me procurou, foi por interesse próprio e não por bondade. De fato, ela me acha bonito, tem desejo por mim, gosta do meu corpo, etc; eu mesmo estranho suas preferências, mas esta é uma questão de gosto pessoal. Se eu adotasse aquela atitude, nossa relação não seria equilibrada e saudável – de qualquer forma, tenho senso crítico demais para idolatrar alguém, inclusive a mulher da minha vida. Curiosamente, não vejo o mesmo tipo de discurso nas pessoas relacionadas com Silvia – obviamente, isso não significa que não ocorra, pois pode ser um viés da minha percepção.