O isolamento social devido à pandemia do SARS-Cov-2 visa tanto evitar a saturação do sistema de saúde quanto reduzir o contágio na população, mas, quando acabar, o vírus continuará circulando e algumas pessoas, adoecendo. Não estamos deixando as meninas descerem para as ótimas áreas comuns do nosso condomínio nem as filhas de Silvia irem para a casa do pai, mas ela continua precisando sair para fazer compras, além de haver alguns outros fatores de risco. Posso passar meses confinado ao apartamento, mas um dia isso vai abalar meu equilíbrio psicológico e terei de sair, embora pretenda faze-lo só no momento em que dispor de uma máscara apropriada. Por tais motivos, tenho certeza que terei a COVID-19. Se for um caso grave e durante a saturação do sistema, o código de ética médica diz que eu seja preterido em favor de alguém mais jovem, sem deficiência e anteriormente saudável – numa situação de desespero, nunca um médico vai acreditar que levo uma vida boa e feliz, melhor que a de muita gente sem deficiência.

Digitei o paragrafo acima friamente, sem medo algum. Clara não tem apneia há uma semana, o que me tranquiliza, embora fique sobressaltado com qualquer tosse ou espirro desta. Há três dias tentei pensar no que fazer se Silvia adoecer e fiquei tão aterrorizado que não consegui, tratei de botar outra coisa na cabeça.

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