Meus sogros moravam em Brasília há quase 15 anos, apesar de Silvia ter comprado o apartamento em que moramos originalmente para voltarem a Curitiba. Silvia passou o segundo semestre de 2019 se desentendo com uma pessoa de quem depende, imaginando que, se fossemos morar lá, teria uma grande ajuda da mãe e da irmã que não poderia ocorrer, pois seus pais já estão bem senis e esta estava sobrecarregada por cuidar sozinha deles, além de Brasília ser menos estruturada – p. ex, lá o Judiciário é muito menos informatizado, o que a obrigaria a sair para trabalhar com frequência, algo que raramente faz aqui. Esses e outros problemas deveriam ser óbvios para Silvia, assim como a conclusão de que tal mudança seria desastrosa, os quais não enxergava por ter uma grande carência da mãe e passei o período tendo de esmiunçar a realidade – uma vez Silvia até descontou a raiva daquela pessoa em mim por essa causa! No fim do ano, senti aperto no perto e outros sintomas de estresse alto, demorei para compreender porquê e creio que o motivo foi que ter ficado seis meses impedindo Silvia de tomar decisões insensatas, por raiva e carência, me fez sentir que as coisas dependem mais de mim do que eu supunha.
Naquele período, insisti com Silvia que era o momento de ajudar sua família em vez de esperar auxílio desta. De fato, acabaram decidindo voltar para Curitiba, embora minha influência nessa decisão tenha sido pouca ou nula. Minha cunhada quis me encarregar das finanças da mãe, não gostei nada da ideia e Silvia a convenceu a me responsabilizar apenas pela metade do dinheiro disponível. Devido à carência citada acima, ela se negou a enxergar a progressão da senilidade da mãe e queria que esta assumisse alguns cuidados com Clara, o que tive praticamente de proibir – mas minha sogra tem consciência de que pouco pode fazer pela neta. Tiveram muita dificuldade em organizar o novo apartamento e, apesar de eu ter dado alguma ajuda, Silvia ficou bastante cansada, ressuscitando meu medo de ela sofrer uma estafa. Essa situação me fez ter, no fim de fevereiro, um verdadeiro ataque de ansiedade, com desfalecimento e alteração do ritmo cardíaco numa ocasião em que não havia motivo imediato para tanto.
Desde o fim de 2019, sabemos que Clara tem hipertrofia de adenoide com indicação de cirurgia, a qual relutamos em fazer. No dia da chegada da família de Silvia, tal problema combinou-se com uma laringite para levar Clara a ter apneia durante o sono, o que foi assustador – a laringite foi curada, mas sua respiração não está totalmente boa. Quando a pandemia de COVID-19 se configurou, eu quis fazer logo a cirurgia, Silvia não e acabei concordando com ela porque, se ainda fosse possível, seria num momento em que o vírus estaria amplamente disseminado. Assim, estou com medo que Clara adoeça gravemente. Devido às dificuldades respiratórias causadas pela paralisia cerebral, estou no grupo de risco, acho que tenho uma chance de 8 a 12% de morrer e o dobro de ser um caso grave, mas não ligo para isso, só me preocupando com meus familiares vulneráveis. Esta pandemia, com todas suas consequências, tem me feito ficar com aperto no peito quase permanentemente, que só passa com o carinho de Silvia.
Acho que tenho uma tendência a desenvolver um transtorno de ansiedade.