É bem incomum encontrar alguém com paralisia cerebral severa em bares, restaurantes, boates, shows, rindo, divertindo-se, alegre, conversando, etc – chegar a tanto não foi nada fácil para mim. Por isso, às vezes uma pessoa – geralmente (não sempre) com algum parente ou amigo com deficiência – fica tão empolgada em me ver nessas situações que vai falar comigo – nesse aspecto, não há diferença entre Curitiba e Recife.
Foi o que ocorreu neste sábado numa pizzaria, quando um homem me abordou do nada, dizendo que tem um filho de 28 anos com PC, com quem se comunica através de mimica e gestos, mora em Arapoti, no norte do Paraná, mostrou fotos, etc. Ele estava falando como se eu tivesse algum déficit cognitivo ou fosse muito infantil, para mostrar que não era o caso demonstrei expressivamente desagrado (um pouco fingido) quando falou que foi à Argentina e trouxe a camisa de Messi para o filho, disse que sou casado com Silvia, tenho uma filha e salto de paraquedas. Quinze minuto depois, sua esposa também foi falar conosco emocionada ao ponto de beijar uma foto de Clara que Silvia mostrou no celular. Esta sintetizou a emoção desse casal como “puxa, meu filho bem que podia estar aqui!”.
Inicialmente, pensei que o filho deles tem algum déficit cognitivo, mas nada do que disseram ao longo da conversa aponta nessa direção. Creio ser mais provável que tal déficit não exista, eles sabem, mas não encontraram uma escola que aceitasse o alfabetizar nem um profissional que desse uma forma de comunicação alternativa eficaz. Foi por muito pouco que escapei do mesmo destino, graças a uma pedagoga que trabalhava na segunda clínica de reabilitação em que me tratei e me alfabetizou aos 6 anos de idade, e aos meus pais, que me incutiram o valor da educação – ao ponto de ter sido um autodidata –, da cultura e da leitura; quando comecei a ter este hábito, meu pai ia atrás de qualquer livro que eu pedisse, por mais besta que fosse; tal pedagoga percorreu todos os colégio de Recife e nenhum me aceitou.