Em Recife, raramente tinha pesadelos, que demoraram anos para acontecer, e aqui em Curitiba se tornaram frequentes. O motivo é a sensação de insegurança gerada pela mudança para cá: lá tinha uma vida relativamente estável, numa cidade conhecida, amparada pela minha família, com amigos e, desde 2010, bem satisfatória; aqui tive de começar tudo do zero, só agora estou começando amizades, longe dos familiares, contando só com Silvia, uma mulher maravilhosa e muito forte, mas de carne e osso, tem quatro dependentes e pode eventualmente sofrer um esgotamento. Racionalmente, sei que tal comparação é em parte ilusória e, pouco antes de vir para cá, percebi que aquela vida em Recife não duraria muito, sobretudo pela deterioração da minha estrutura familiar – o que de fato ocorreu.
Na madrugada do último domingo, Silvia foi ao banheiro, demorou muito para voltar e, nesse ínterim, pensei que pudesse estar se sentindo mal. Nada houve de errado com ela, mas foi o suficiente para eu demorar a dormir de novo e ter dois pesadelos: no primeiro, Silvia morria num acidente de transito, fui chamado para reconhecer o corpo e um conhecido jornalista, cujo blog leio diariamente, entrevistava um perito, que dizia que o acidente foi causado por excesso de cansaço e que talvez ela estivesse viva se eu tivesse ficado em Recife; no segundo, Silvia tinha um escritório de advocacia perto de um campo de treinamento do Exército – do qual meu pai foi oficial, carreira que talvez eu seguisse se não tivesse deficiência – e uma bomba gigantesca explodia, danificando seriamente seu escritório. Para mim, esses dois pesadelos significam que ainda luto para não me sentir um estorvo para Silvia, embora tenha plena consciência da felicidade que dou a ela. Também exemplificam o aspecto mais insidioso de um preconceito – no caso, o de que alguém com deficiência não pode fazer bem, feliz um homem ou mulher –, que é ser introjetado pelas pessoas contra as quais é direcionado.